Em piada, árabes revidam preconceito e analisam protestos em Paris
Cansados de ser alvo de coberturas jornalísticas superficiais sobre os seus países, internautas árabes decidiram dar o troco nestas últimas semanas. Em redes sociais como o Twitter e o Facebook, eles se perguntaram –em tom jocoso– como seria se jornalistas árabes escrevessem sobre os protestos na França usando as mesmas ideias reducionistas e preconceituosas circuladas sobre o Oriente Médio.
O libanês Karl Sharro publicou uma longa sequência de tuítes sobre o assunto. Na mensagem abaixo, por exemplo, ele afirmou: “Um movimento orgânico de protestos sem líderes ou uma ideologia clara surgiu na França. Estou esperando isso desde 2011. Deixem-me explicar a Primavera Francesa a vocês”. Ele estava imitando o tom dos analistas que escreveram sobre a Primavera Árabe, uma onda de protestos que varreu líderes de países como Egito e Tunísia no início daquele ano.
An organic, leaderless protest movement with no clear ideology has emerged in France. I’ve been waiting for this since 2011. Let me explain the French Spring to you.
— Karl Sharro (@KarlreMarks) 1 de dezembro de 2018
Uma usuária chamada Samar Amahir respondeu da seguinte maneira: “Sou uma franco-marroquina estudando o Oriente Médio. Tive de aguentar toda aquela porcaria de análise no meu país sobre a Primavera Árabe. Estava esperando um tuíte como esses desde 2011”.
I am a French-Moroccan studying the Middle East that had to put up with all the bs ‘analysts’ in my country said about the Arab Spring and I have been waiting for a tweet like this from you since 2011 😂
— Sahar Amarir (@SaharAmarir) 1 de dezembro de 2018
Já neste outro texto, falando também sobre a polêmica saída do Reino Unido da União Europeia, Karl escreveu: “Eu deveria ter escutado minha avó. Ela me avisou sobre a Europa. Essa região é instável desde o tempo dos romanos, como costumamos dizer no Levante”. A piada, nesse caso, é a constante ideia –repetida pela imprensa na Europa– de que o Oriente Médio é uma região problemática desde a Antiguidade.
I should have listened to my grandmother, she warned me about Europe. This region has been unstable since Roman times, as the old saying in the Levant goes.
— Karl Sharro (@KarlreMarks) 12 de dezembro de 2018
Em outra mensagem, ele reaproveitou os clichês sobre Beirute ser “a Paris do Oriente Médio” e escreveu: “É, você sabe o que eles dizem. Paris é a Beirute da Europa Ocidental”. A ideia na entrelinha, quando alguém faz essa comparação, é de que cidades como Beirute são tão desenvolvidas e seculares que “quase não parecem o Oriente Médio”.
Well you know what they say, Paris is ‘the Beirut of Western Europe’ https://t.co/P6VD0n0nlc
— Karl Sharro (@KarlreMarks) 4 de dezembro de 2018
Ele também imitou o tom da imprensa europeia e americana e se perguntou sobre os efeitos dos protestos na França. Quando há manifestações em cidades como Cairo ou Beirute, a imprensa extrangeira costuma se perguntar se o fenômeno pode se espalhar pela região. Há também frequentes menções a como governos ocidentais vão reagir a uma crise no Oriente Médio — o que os presidentes vão dizer? Karl escreveu: “Especialistas já estão alertando sobre um efeito dominó, levando os protestos na França a países vizinhos. Com tudo isso, não está claro como nós no Oriente devemos responder, além de pedir que as autoridades francesas respeitem o direito a protestar”.
Experts are already warning of a ‘domino effect’ leading the protests to spread from France to neighbouring countries. In all of this it’s not clear how we in the East should respond, aside from calling on the French authorities to respect the right to protest.
— Karl Sharro (@KarlreMarks) 1 de dezembro de 2018