Biden e Trump têm visões distintas para o futuro do Oriente Médio

Os Estados Unidos votam no próximo dia 3 em uma das eleições mais importantes de sua história recente. A pandemia do coronavírus, que já matou mais de 225 mil pessoas no país, é um dos temas centrais do panorama eleitoral, acompanhado pela questão de como reconstruir uma economia em frangalhos. Com isso, sobrou pouco tempo para os candidatos falarem em política externa. Nos debates entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden, mal se falou no tema. O silêncio não quer dizer, no entanto, que o tema seja irrelevante. Trump e Biden representam visões distintas sobre que papel os Estados Unidos devem desempenhar no exterior. No que diz respeito ao Oriente Médio, por exemplo, a eleição de um ou de outro pode impactar as políticas americanas em relação a Israel e ao Irã.

Um dos principais pontos de desacordo entre Trump e Biden é a relação dos Estados Unidos com regimes autoritários na região. Trump tem boas relações com líderes acusados de reprimir suas populações. Ele já se referiu ao egípcio Abdel Fattah al-Sisi como seu “ditador favorito”. O republicano é próximo também da monarquia da Arábia Saudita, apesar do assassinato do jornalista dissidente saudita Jamal Khashoggi, algo que motivou uma intensa crítica internacional.

Biden, por outro lado, tem uma postura mais dura. O democrata, é claro, não vai romper laços com importantes parceiros na região como o Egito e a Arábia Saudita caso seja eleito. Mas, segundo algumas análises, ele deve ao menos cobrar que esses regimes cessem suas violações aos direitos humanos em troca, por exemplo, de oportunidades comerciais. No caso saudita, isso pode significar restrições na venda de armas, algo menos provável sob Trump. Biden deve tentar, também, retirar o apoio à guerra saudita no Iêmen.

Em outras áreas, porém, uma eventual vitória de Biden dificilmente vai fazer com que os Estados Unidos mudem sua posição de maneira drástica. Um relatório recente do Eurasia Group sugere, nesse sentido, que o governo americano terá tantas questões domésticas para resolver em 2021 que terá pouco tempo para o Oriente Médio.

O conflito árabe-israelense é um bom exemplo. Trump fomentou um plano de paz que escanteou os palestinos e exacerbou a impressão de que os Estados Unidos não são um mediador isento. O republicano também tomou a decisão de mover a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém — emulada pelo Brasil de Jair Bolsonaro — e promoveu o reconhecimento da presença israelense nos territórios disputados das colinas de Golã. Essas duas medidas romperam com o consenso internacional e com o precedente dos próprios Estados Unidos. Além disso, Trump tem dado bastante atenção ao Oriente Médio, patrocinando acordos entre Israel e os Emirados Árabes, o Bahrein e o Sudão. Na prática, está isolando ainda mais os palestinos.

Não existe a expectativa de que, se eleito, Biden vá reverter o curso dessas políticas. O democrata, por exemplo, já elogiou publicamente os acordos entre Israel e os Emirados. Será difícil, também, voltar atrás na localização da embaixada ou da soberania nas colinas. Ainda assim, segundo algumas análises, Biden deve tentar reposicionar os Estados Unidos como um mediador neutro. Talvez isso signifique retomar alguns dos programas de auxílio aos palestinos encerrados por Trump. Ele também deverá ter uma relação menos calorosa com o líder israelense Binyamin Netanyahu, a quem Trump tanto elogia.

Um outro tema no qual Biden não difere tanto de Trump é na relação entre os Estados Unidos e o Irã. Se vencer o pleito, o democrata não deve correr para se reaproximar de Teerã. Ele tampouco deve remover de imediato as sanções econômicas impostas por Trump. O que talvez Biden faça diferente, se morar na Casa Branca, é tentar trazer o Irã à mesa de negociação, em vez de se afastar por completo. A ideia é condicionar as relações com Teerã ao cumprimento das restrições a seu programa nuclear. Como mostra um texto da Bloomberg, essa possibilidade já preocupa Israel e países do Golfo. Uma outra reportagem sugere que o Irã pode começar a exportar até 2 milhões de barris de petróleo por dia se Biden vencer o pleito — outro sinal do impacto que o voto do dia 3 nos Estados Unidos pode ter no mundo.