Na TV, série histórica cria tensão entre Turquia e países árabes

Produzida pelos Emirados Árabes com financiamento da Arábia Saudita, a série de TV “Kingdoms of Fire” (reinos de fogo) trata de longínquos acontecimentos do século 16. As reações, no entanto, têm sido bastante contemporâneas. O lançamento da mega-produção de R$ 170 milhões — que deve eventualmente chegar ao catálogo do Netflix — tem tensionado as relações entre Egito, Golfo e Turquia. A direção é do britânico Peter Webber (“Moça com Brinco de Pérola”).

“Kingdoms of Fire” narra a disputa entre o sultão otomano Selim I, baseado em Istambul, e o mameluco Tuman Bay II, baseado no Cairo. Quem leu nas entrelinhas, porém, enxergou bastantes outras questões na telinha. Uma das maneiras de entender a série é por meio do que tem acontecido nestes últimos anos no Oriente Médio.

As relações entre a Turquia e o Egito, por exemplo, foram prejudicadas pelo apoio dado pelo governo turco ao ex-presidente egípcio Mohamed Mursi, um islamita deposto por um golpe militar em 2013. Daí a análise contemporânea da briga entre Selim e Tuman, que é de certa forma projetada nos governantes atuais — a série parece acenar à disputa entre o turco Recep Tayyip Erdogan e o egípcio Abdel Fattah al-Sisi.

A série também pode expressar as recentes desavenças entre a Turquia e a Arábia Saudita, que exibe o show em seu canal MBC. A Turquia acusa a Arábia Saudita de ter mandado matar, no ano passado, o jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado daquele país em Istambul. Khashoggi era um duro crítico à monarquia saudita.

De maneira mais geral, “Reinos de Fogo” incomoda também por representar o Império Otomano como uma potência subjugando países árabes. Foi assim que o produtor Yasir Harib se referiu à série, dizendo que o enredo tratava da disputa entre Tuman Bay e o “ocupador otomano Selim I no Cairo”. A palavra “ocupador” que machucou.

Há um debate entre historiadores sobre como tratar da presença otomana no Oriente Médio, encerrada apenas com a queda do Império Otomano depois da Primeira Guerra (1914-1918). Eram realmente uma presença ilegítima? Realmente reprimiram os árabes? Respondendo que “sim”, egípcios têm pedido que o governo remova o nome de otomanos de ruas do Cairo — em especial, o nome de Selim I.

Comentando a série, o político turco Yasin Aktay discordou dessa visão e escreveu que “havia pessoas entre os árabes que eram leais até a morte ao califado [otomano] e que lutaram ao lado dos turcos”. “Diversas campanhas foram usadas para romper os laços entre árabes e turcos e semear o ódio entre essas duas nações”, segundo Aktay.

A série “Reinos de Fogo”, que começou em 17 de novembro, terá 15 episódios. Por ora, é possível assistir gratuitamente por meio do site da emissora MBC. O áudio é em árabe, mas há legendas em inglês.