Pesquisa da USP analisa relação entre comida e refugiados sírios
Forçados a deixar seu país devido a uma cruenta guerra civil, centenas de sírios se refugiaram no Brasil nestes últimos anos. Diversos deles perderam no trajeto não só os bens materiais, mas também a profissão. Seus diplomas não foram reconhecidos e o mercado tampouco os aceitou. Uma saída encontrada para o ganha-pão foi, em muitos casos, fazer o pão sírio — refugiados passaram a vender quitutes e abriram seus próprios restaurantes, caso do engenheiro Talal al-Tinawi e da professora Razan Suliman, que aceitam pedidos pela internet.
Um recente estudo de pesquisadores da USP analisa esse processo, investigando de que maneira a comida serve como identidade aos refugiados sírios. À Agência de Notícias Brasil-Árabe a professora de nutrição Fernanda Scagliusi explicou parte de suas conclusões: “percebemos um apreço tão forte ao alimento do local de origem como uma forma de resistência, contra um possível esvaziamento da identidade, do modo de viver muito diferente, uma vez que a referência dessas pessoas se perdeu – casa, parentes, amigos, local de trabalho – tudo foi tirado muito abruptamente deles”.
A pesquisa “Representações da Comida Síria por Refugiados Sírios na Cidade de São Paulo” foi publicada pela revista científica Appetite. O estudo inclui também a nutricionista Fernanda Porreca, as doutoras em nutrição Mariana Ulian e Priscilla Sato e o antropólogo Ramiro Unsain, segundo a agência. Há outras três publicações previstas.
“Grande parte dos refugiados está trabalhando com alimentação. Muitos deles têm diploma, são engenheiros, médicos, executivos, comerciantes, mas não tiveram a oportunidade de continuar em sua área aqui. Encontraram na comida síria uma forma de sobreviver financeiramente”, afirmou à agência Anba a professora Scagliusi.
A culinária, porém, não é uma carreira mais fácil ou mais simples do que a desempenhada antes pelos refugiados. Segundo a pesquisa, os sírios radicados no Brasil têm buscado ingredientes específicos que permitam reproduzir com exatidão suas receitas. No caso do sorvete sírio, são dias de trabalho manual para chegar à consistência viscosa — e o necessário pistache, comum na Síria, encarece o prato no Brasil.
“Não é só pelo gosto, hábito ou costume. É o fato de estar aqui, num país com idioma diferente, numa cultura diferente, mas ainda ter o prazer de comer a comida”, disse à Anba a professora Scagliusi.
A guerra civil síria, iniciada em 2011, já deixou meio milhão de mortos. Ao menos 5,5 milhões de pessoas deixaram o país e 6 milhões foram deslocadas dentro do território, o que significa que metade da população precisou deixar suas casas. Dos 5.134 refugiados de diversas origens com registro ativo no Brasil no fim de 2017, a maioria (35%) havia fugido da Síria, diz a Agência da ONU para Refugiados.