Detido, jovem egípcio escreve sobre como ler Harry Potter na prisão

Diogo Bercito

Recentemente esbarrei em uma interessante série de artigos intitulada “Da Prisão”. São cartas publicadas pelo site egípcio Mada Masr na versão em inglês de seu site. O autor, Abdelrahman al-Gendy, tem 22 anos. Está preso desde os 17 na famigerada prisão de Tora, sul do Cairo.

Gendy foi detido em outubro de 2013 na praça Ramsés, na capital egípcia, meses após a deposição armada do então presidente Mohamed Mursi. O rapaz e seu pai foram acusados, assim como outras 60 pessoas, de crimes como homicídio, tentativa de homicídioe posse de armas, o que eles negam. Cada um foi condenado a 15 anos de prisão.

Abdelrahman al-Gendy, 22, que escreve dentro de uma prisão egípcia. Crédito Reprodução

Abundam as histórias de detenções arbitrárias no Egito, ao lado de penas de morte em massa para supostos simpatizantes da Irmandade Muçulmana. Mas Gendy oferece uma perspectiva bastante pessoal. Da prisão, ele estuda a distância na Universidade Ain Shams. Suas cartas têm sido circuladas na rede, tanto no original árabe quanto em inglês.

No texto mais recente, datado em 16 de setembro, ele escreve de maneira entusiasmada sobre um presente recentemente recebido:

Dentro de mim há uma brilhante particula de felicidade. Minha irmã me trouxe um presente. Ao encontrar um site que vende produtos inspirados em Harry Potter para fãs obcecados, ela apareceu na visita de hoje com um longo e retangular pacote do tipo que você encontraria [na fictícia loja] Ollivander’s. De dentro, fez surgir uma varinha mágica.

Gendy conta, em sua carta, sobre como um dos guardas encontrou o objeto durante uma revista e lhe perguntou do que se tratava. O jovem hesitou antes de responder, “você já ouviu falar em Harry Potter?”.

Ele me olhou como se eu estivesse falando chinês, então voltou a sua atenção para a varinha e começou a tentar dobrá-la pela metade. Eu decidi que era melhor dizer a verdade antes de ele quebrá-la. “É uma varinha mágica.”

Mais tarde, na cozinha da prisão, Gendy ergue o pequeno bastão e aponta para um tomate. “Wingardium leviosa!”, diz, usando a fórmula mágica para levitação aprendida por Harry Potter na série de livros multibilionária. Tenta também aquecer o café com o feitiço “incendio”.

Me dá prazer pensar nas semelhanças entre mim e o Harry Potter. Penso em como tantas pessoas gostam dele e o consideram um herói, enquanto outros o odeiam e planejam a sua destruição. Tudo isso por causa de uma cicatriz que ele não pediu para ter e que ele despreza com todo o seu coração. Ele nunca quis ser nada além de um ser humano normal. Essa prisão vai me deixar uma cicatriz, também, e eu já consigo enxergar os sinais de que recebo um amor imenso de alguns e um ódio amargo de outros por causa dela. Eu não pedi isso, assim como o Harry Potter não pediu para ter a sua cicatriz.