Atriz de Blade Runner 2049 anuncia festival de arte palestina no Brasil
Hiam Abbass já foi um bocado de coisas nesta vida. Foi uma senhora obstinada defendendo uma árvore no filme “Lemon Tree” (2009), por exemplo, e uma líder da resistência em “Blade Runner 2049” (2017). Ela assume, no entanto, um outro papel nesta segunda-feira (17): a prolífica atriz palestina de 57 anos anuncia em São Paulo a inauguração de um inédito festival de arte contemporânea palestina no Brasil.
Inédito, o evento previsto para novembro em São Paulo — ainda sem data exata — vai formar uma plataforma de residências artísticas voltada a artistas palestinos e contará com a participação de alguns dos renomados expoentes daquela região, incluindo os premiados irmãos Tarzan e Arab Nasser, cineastas de Gaza. A iniciativa é do Beit21, um projeto de cooperação artística entre países do sul global.
Para Abbass, é um fomento bem-vindo. Não há, afinal, extensas políticas culturais por parte do governo palestino em meio às crises políticas — os palestinos disputam há décadas com Israel para criar um Estado e o território da Cisjordânia está sob ocupação desde 1967.
“Vivemos em um sistema que não ajuda os jovens a desenvolver sua arte tanto quanto queríamos, porque a prioridade é outra”, diz a este Orientalíssimo blog. “Não acho que, com o controle israelense, já chegamos ao ponto em que a população e as autoridades entenderam que a cultura é o melhor veículo para qualquer ideia e para que a sociedade possa florescer. Mas esse momento vai chegar, é nisso que entram as iniciativas externas, como esse festival de arte no Brasil.”
A coexistência da arte palestina em um contexto altamente politizado, ademais, torna constante uma antiga discussão a respeito do papel político do artista. “Acho que sim, a arte é política. Tendo a acreditar que temos uma responsabilidade pelo que está acontecendo no mundo. Não podemos sonhar sem pensar que nossos vizinhos estão sofrendo. Não podemos estar no Brasil, como artistas, e não nos lembrar do que está acontecendo com os refugiados venezuelanos.”
“O artista tem que ser o espelho de sua sociedade, e as pessoas têm que ser capazes de imaginar as coisas de uma maneira diferente, para ter esperança. É uma responsabilidade nos tempos em que vivemos.”
A arte possui, também, a capacidade de gerar um debate, diz. Ela tem um exemplo: quando atuou no filme “Munique” (2005), de Steven Spielberg, viu a interação entre atores israelenses e palestinos e como encenar aquele massacre de 1972 — quando atletas israelenses foram mortos — produziu algum tipo de necessária terapia entre as partes.
Além do anúncio do festival palestino e de sua conversa com o público, na segunda-feira, a atriz Abbass estará em cartaz no Brasil com a peça “A França Contra os Robôs”, do escritor francês Georges Bernanos.
O festival de arte contemporânea que ela anuncia ainda está em sua fase de planejamento. Faz parte de um projeto maior dentro da plataforma Beit21, que quer criar espaços para a circulação de artistas de países da América Latina, da África e do Oriente Médio. O primeiro enfoque será os palestinos, diz o pesquisador Geraldo Campos, professor da Universidade Federal do Sergipe e um dos idealizadores.
“Há hoje uma difusão de notícias e imagens na internet sobre a ocupação israelense que não produz, no entanto, uma massa crítica bem informada”, afirma Campos. “Hoje as constatações mais bem elaboradas vêm justamente dos artistas. Por isso vamos nos concentrar nessa produção estética e em como eles abordam a Palestina.”
Por exemplo, o artista palestino Abdul Rahman Katanani aborda questões como o exílio e a memória com uma obra feita de materiais recolhidos no insalubre campo de refugiados de Sabra, no Líbano, onde ele cresceu — palco de um massacre em 1982. Como nesta obra:
“Trazendo essas obras para o Brasil, queremos fugir de slogans, de lugares comuns e de gritarias”, afirma o pesquisador Campos. “Não vamos falar sobre os palestinos, e sim deixar que eles próprios falem.”
Encontro com Hiam Abbass
Quando 17/set às 19h30
Onde Teatro da Aliança Francesa (r. General Jardim, 182, São Paulo, tel. 0/xx/11/3572-2379)]
Quanto Gratuito