Bernard Lewis, historiador do Oriente Médio, morre aos 101 anos

Nascido em 1916, o britânico Bernard Lewis sobreviveu aos tantos eventos que definiram o Oriente Médio contemporâneo. A campanha de Lawrence da Arábia durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), por exemplo, e a descoberta de petróleo na Arábia Saudita. Ele também testemunhou os violentos golpes na Síria, no Iraque e no Egito e acompanhou a ascensão de um projeto político baseado no islã.

Lewis morreu aos 101 anos no último dia 19, encerrando uma prolífica carreira na qual escreveu os clássicos “Os Judeus do Islã”, “O Que Deu Errado” e “O Islã e o Ocidente”. Seu legado acadêmico, no entanto, provavelmente seguirá controverso. Para parte dos pesquisadores dessa área, ele representa uma visão colonialista e aversa ao islã –o palestino-americano Edward Said, autor de “Orientalismo”, descrevia Lewis como “cientista politicamente ativo, lobista e propagandista”.

De origem judaica, Lewis se destacou na academia ao ter acesso aos arquivos do antigo Império Otomano, para os quais aprendeu a língua turca. Com o acesso privilegiado àqueles documentos, ele moldou sua carreira em torno de ideia de que há um inevitável atrito entre Oriente e Ocidente. Lewis já falava em “conflito entre civilizações” em 1990, dois anos antes de o termo ser popularizado por Samuel Huntington, como lembra o jornal americano Washington Post em seu obituário.

Aquele texto de 1990, sobre “as raízes da ira muçulmana”, foi  publicado pela revista americana Atlantic. Lewis escreve, por exemplo, que:

O islã é uma das mais grandiosas religiões do mundo. O islã trouxe conforto e paz a incontáveis milhões de homens e mulheres. Deu dignidade e significado a vidas empobrecidas. Ensinou pessoas de diferentes raças a viver em irmandade e pessoas de diferentes credos a viver lado a lado em uma tolerância racional. Inspirou uma grande civilização em que outros, além dos muçulmanos, viveram vidas criativas e úteis. Mas o islã, como outras religiões, também passou por períodos em que inspirou alguns de seus seguidores a um temperamento de ódio e violência. Infelizmente parte do mundo muçulmano passa agora por um desses períodos. Muito do ódio, ainda que não todo, é direcionado contra nós.

Mesmo com as constantes críticas a seu trabalho e com o desgosto particularmente vindo de movimentos de esquerda, Lewis ainda serve como uma importância referência a esses estudos –ainda que para refutar suas teses. Quando lhe criticaram por, sendo britânico, estudar o Oriente Médio, Lewis disse: “Se ocidentais não podem estudar outras culturas, então apenas peixes podem estudar biologia marítima”.

Uma das críticas das quais ele teve dificuldade de se esquivar, no entanto, foi a de ter se envolvido demasiado na política desde sua chegada à Universidade Princeton em 1974. Lewis é constantemente acusado de ter moldado a política americana que levou à invasão do Iraque em 2003, algo que ele sempre negou. O pesquisador britânico era próximo do então vice-presidente dos EUA, Dick Cheney.

Em outra controvérsia, Lewis afirmou que a morte de 1,5 milhão de armênios durante os últimos anos do Império Otomano foi o resultado de disputas nacionalistas, e não de um plano concreto para seu extermínio. Foi condenado na França, acusado de negar o genocídio.

O premiê israelense, Binyamin Netanyahu, elogiou Lewis após sua morte afirmando que “ele foi um dos maiores estudiosos do Oriente Médio na nossa era”. “Seremos eternamente gratos por sua defesa robusta de Israel”, disse em um comunicado. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, também comentou a morte. “O mundo perdeu um grande homem”, afirmou. “Li muito do que ele escreveu, e devo à sua obra muito do meu entendimento do Oriente Médio.”

Da esquerda para a direita: Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe; Bernard Lewis e um diplomata turco. Crédito Burhan Ozbilici/Reuters