Relação entre gays e o islã é mais complicada do que o massacre em Orlando
Reagindo às primeiras notícias do massacre cometido por seu filho, Seddique Mateen disse que a morte de 50 pessoas em uma boate gay de Orlando não tinha nenhuma relação com a religião. Breve demonstração de tolerância. Na segunda-feira (13), em sua página do Facebook, o imigrante afegão disse que a tarefa de punir homossexuais cabia não a seu filho —mas à justiça divina.
A homofobia demonstrada pelo atirador é uma infeliz realidade em países muçulmanos como Marrocos, Egito e Iraque. No território controlado pelo Estado Islâmico, é a regra, baseada em uma interpretação radical do islã. Mas a perseguição a gays, que foi relembrada nos últimos dias como uma característica dessa e de outras religiões, não descreve a experiência histórica da comunidade muçulmana de maneira fiel. A relação entre islã e a sexualidade é bastante mais complicada do que Mateen parecia compreender —a repórter Anna Virginia recentemente conversou sobre esse tema com gays muçulmanos.
Os textos religiosos do islã condenam a homossexualidade, sem prescrever penas específicas. Mas a sociedade, desde o surgimento dessa fé no século 7, soube acomodar-se em meio a todas as regras. Um dos poetas mais celebrados da língua árabe é Abu Nuwas, que viveu na corte de Bagdá no século 8. Ele compôs sobre o que chamou de “a tribo que ama garotos”, e descreveu relações entre homens em sua obra.
Homossexuais são perseguidos no Iraque, mas é possível encontrar livros de Abu Nuwas em árabe em sebos populares do centro de Bagdá e comprá-los sem que isso cause alarde —no caso deste repórter, foi mais fácil despertar a satisfação do comerciante com o fato de que um estrangeiro conhecesse a obra.
Há diversos outros exemplos de expressão artística das relações homossexuais em países muçulmanos, ao longo do tempo e em diferentes territórios. Por exemplo, imagens do Império Otomano que retratam cenas de sexo explícito entre homens (como a que ilustra este texto, acima). Mas a ideia de um passado “homossexual” no mundo de cultura islâmica é criticada por especialistas. O conceito de homossexualidade não existia como tal. A sexualidade era entendida de maneira distinta à de hoje.
Com o passar dos séculos, ficaram para trás as interpretações mais flexíveis da religião. As últimas décadas têm deixado como marca geral o incremento do conservadorismo. Gays têm sido perseguidos em países como Marrocos e Egito, com o respaldo do Estado. Mas, mais do que um imperativo religioso, a homofobia nesses países é resultado de interpretações radicais dos textos sagrados, das quais se excluem as ideias que permitiram, no passado, uma sociedade mais plural.