Jornal comunitário dá exemplo à imprensa no Cairo

Diogo Bercito
Egípcio compra um jornal, em fotografia de arquivo de fevereiro de 2013. Crédito Reuters
Egípcio compra um jornal, em fotografia de arquivo de fevereiro de 2013. Crédito Reuters

Não são muitas as boas notícias que chegam a este Orientalíssimo blog vindas do Cairo. O governo de Abdel Fattah al-Sisi tem perseguido gaysjornalistas e membros da Irmandade Muçulmana –que, até o golpe de 2013, ocupavam a Presidência do país.

Também não são fartos os relatos de sucesso na imprensa internacional, em tempos de crise do setor, fechamento de jornais e declínio de revistas. Suspiro.

É por isso bastante feliz a leitura de uma reportagem publicada na quarta-feira (10) pelo diário egípcio “Ahram” sobre o jornal “Mantiqti Wust el-Balad” (meu bairro, o centro da cidade). O “Mantiqti” tem dado o exemplo, neste que é o país árabe mais populoso, de um jornalismo ligado à comunidade local.

Esse jornal comunitário é publicado mensalmente desde abril de 2013. Ao contrário do restante da mídia egípcia, mais interessada no noticiário nacional, o “Mantiqti” tem como foco os assuntos da região central do Cairo. Ao “Ahram” o fundador Tarek Atia afirmou: “É bastante doido que uma cidade grande como o Cairo não tivesse um veículo local, especialmente considerando o fato de que o centro cairota é o coração da capital egípcia”.

Segundo Atia, a vocação do jornal é contar as histórias da comunidade e permitir que ela participe do processo, como “parte da conversa”. Em maio, por exemplo, o “Mantiqti” publicou uma investigação sobre os projetos de renovação no centro do Cairo, com mapas, ilustrações e entrevistas –tanto com especialistas quanto com moradores do bairro. “Como resultado da nossa cobertura, membros do governo estão começando a perceber que alguém está vigiando. Isso é novo”, disse o fundador.

Outro exemplo do impacto desse tipo de jornalismo comunitário é a edição de fevereiro, que tratava do estado das calçadas na região. Um porta-voz do governo local citou a reportagem do “Mantiqti”. O pavimento foi refeito.

Para além de vigiar a eficiência do governo, o jornal se apresenta como um espécie de enciclopédia do bairro. Seus editores publicaram em uma edição anterior, com o apoio de uma ONG local, o mapa do assédio sexual no centro do Cairo, informando os leitores dos riscos de diversas das ruas da região.

O “Mantiqti”, publicado em 24 páginas, é hoje financiado por anúncios, incluindo os de comerciantes locais. Sua equipe trabalha em uma versão digital, enquanto se adapta às leis de imprensa egípcias.

O jornalismo é uma atividade antiga no Egito. Após experimentos limitados, a imprensa veio ao país nos navios da expedição francesa de Napoleão Bonaparte, no final do século 18. Há hoje cerca de 600 jornais e revistas no país –que tem visto, porém, um fortalecimento da mão do governo de Sisi interferindo em sua cobertura. O “Middle East Eye” cunhou, nesse sentido, o termo “sisificação da mídia”.