Jornal comunitário dá exemplo à imprensa no Cairo
Não são muitas as boas notícias que chegam a este Orientalíssimo blog vindas do Cairo. O governo de Abdel Fattah al-Sisi tem perseguido gays, jornalistas e membros da Irmandade Muçulmana –que, até o golpe de 2013, ocupavam a Presidência do país.
Também não são fartos os relatos de sucesso na imprensa internacional, em tempos de crise do setor, fechamento de jornais e declínio de revistas. Suspiro.
É por isso bastante feliz a leitura de uma reportagem publicada na quarta-feira (10) pelo diário egípcio “Ahram” sobre o jornal “Mantiqti Wust el-Balad” (meu bairro, o centro da cidade). O “Mantiqti” tem dado o exemplo, neste que é o país árabe mais populoso, de um jornalismo ligado à comunidade local.
Esse jornal comunitário é publicado mensalmente desde abril de 2013. Ao contrário do restante da mídia egípcia, mais interessada no noticiário nacional, o “Mantiqti” tem como foco os assuntos da região central do Cairo. Ao “Ahram” o fundador Tarek Atia afirmou: “É bastante doido que uma cidade grande como o Cairo não tivesse um veículo local, especialmente considerando o fato de que o centro cairota é o coração da capital egípcia”.
Segundo Atia, a vocação do jornal é contar as histórias da comunidade e permitir que ela participe do processo, como “parte da conversa”. Em maio, por exemplo, o “Mantiqti” publicou uma investigação sobre os projetos de renovação no centro do Cairo, com mapas, ilustrações e entrevistas –tanto com especialistas quanto com moradores do bairro. “Como resultado da nossa cobertura, membros do governo estão começando a perceber que alguém está vigiando. Isso é novo”, disse o fundador.
Outro exemplo do impacto desse tipo de jornalismo comunitário é a edição de fevereiro, que tratava do estado das calçadas na região. Um porta-voz do governo local citou a reportagem do “Mantiqti”. O pavimento foi refeito.
Para além de vigiar a eficiência do governo, o jornal se apresenta como um espécie de enciclopédia do bairro. Seus editores publicaram em uma edição anterior, com o apoio de uma ONG local, o mapa do assédio sexual no centro do Cairo, informando os leitores dos riscos de diversas das ruas da região.
O “Mantiqti”, publicado em 24 páginas, é hoje financiado por anúncios, incluindo os de comerciantes locais. Sua equipe trabalha em uma versão digital, enquanto se adapta às leis de imprensa egípcias.
O jornalismo é uma atividade antiga no Egito. Após experimentos limitados, a imprensa veio ao país nos navios da expedição francesa de Napoleão Bonaparte, no final do século 18. Há hoje cerca de 600 jornais e revistas no país –que tem visto, porém, um fortalecimento da mão do governo de Sisi interferindo em sua cobertura. O “Middle East Eye” cunhou, nesse sentido, o termo “sisificação da mídia”.