A destruição da cidade sagrada de Meca
Com a destruição de sítios arqueológicos na Síria e no Iraque, pelas mãos dos extremistas do Estado Islâmico, e com o dano causado a estruturas milenares em Gaza, durante os confrontos militares com Israel, a questão da memória é urgente no Oriente Médio. Monumentos que davam testemunho de períodos antigos, como os budas de Bamiyan que o Talebã dinamitou em 2001, têm sido esfacelados, apesar de terem resistido a tantos impérios.
Mas o “New York Times” nos lembra, em um texto publicado ontem (clique aqui para ler), que a obliteração da memória não é prerrogativa apenas dos Estados em conflito ou nos quais reconhecemos, de imediato, a ameaça do fanatismo. O passado é devorado também pela expansão urbana, como Milton Hatoum relata em sua obra quando descreve Manaus –e, no caso da reportagem em questão, pela ação dos governos em tempos de paz.
O artigo tem por título “A Destruição de Meca”, e já em seu início nota haver “um ódio profundo pela história” entre os líderes políticos e religiosos da Arábia Saudita, hoje responsáveis pela manutenção dos locais sagrados do islamismo: Meca, onde o profeta Maomé teria nascido, e Medina, a onde teria fugido durante a perseguição religiosa sofrida inicialmente pelo islã.
A Torre do Relógio, um dos edifícios mais altos do mundo, foi afinal construída em cima de 400 sítios de interesse histórico. A casa de Khadija, primeira mulher do profeta, virou um amontoado de banheiros. O Hilton de Meca foi erguida no local onde estava a residência de Abu Bakr, primeiro califa do islã. O cenário é catastrófico. A herança histórica do islamismo deu lugar a construções de luxo a partir dos interesses da liderança local e da justificativa religiosa de que sua existência motivaria o culto a essas figuras, em vez de a Deus, o que seria condenado no islã.
Escreve o autor, Ziauddin Sardar:
Meca é o microcosmo do mundo muçulmano. O que acontece a essa cidade e nela tem profundo efeito nos muçulmanos em todos os lugares. O coração espiritual do islã é um enclave ultramoderno e monolítico em que a diferença não é tolerada, a história não tem significado e o consumismo é primordial. É dificilmente surpreendente, então, que o literalismo, e as interpretações assassinas do islã associadas a ele, tenham se tornado tão dominantes nas terras muçulmanas.