O desastre de um casamento gay no Egito

Diogo Bercito

Quando me mostraram o vídeo, era uma notícia alegre –um grupo de homens celebrando um casamento gay em um barco no rio Nilo, no Egito, entre as ululações de felicidade, a troca de alianças e um beijo tímido selando a união. A festa, realizada em abril, só tornou-se assunto público recentemente, com a divulgação das imagens (que vocês veem acima).

Mas a história transformou-se, no sábado passado (6), no relato de um pesadelo. As autoridades egípcias pediram a prisão de nove dos homens identificados no vídeo, acusados pelo governo de “deboche” e de atacar a moral pública do país. Sete já foram detidos.

O casamento gay não é permitido no Egito, mas a homossexualidade também não é considerada ilegal. Assim, as autoridades em diversas ocasiões recorrem a manobras que incluem a ideia de que a vida gay está em desacordo com os valores sociais e pode, portanto, ser punida. O anúncio da detenção deste sábado incluiu a observação de que o vídeo era “humilhante” e que “enfureceria a Deus”.

Em 2001, 52 homens foram presos após uma busca policial no barco Queen, no rio Nilo. Em abril deste ano, quatro foram condenados a oito anos de prisão, também por “deboche” após realizarem festas em que foram encontradas roupas e maquiagem femininas.

A história da repressão a homossexuais no mundo árabe é longa. O caso do casamento no rio Nilo me lembra de uma história que cobri para a Folha, em 2012, quando entrevistei um garoto gay em meio à onda de assassinatos em Bagdá (clique aqui para ler). À época, o governo iraquiano incentivava as ações criminosas.

Mas, a despeito do que dirão os detratores dos árabes e do islã, a perseguição a homossexuais não é um fato válido para toda a história da região.

Mesmo em Bagdá, nos tempos de ditadura de Saddam Hussein, a vida homossexual encontrava menos obstáculos do que hoje. Há bares gays em Beirute, e a própria tradição árabe tem um autor de versos homoeróticos como um herói cultural –o poeta Abu Nuwas (séculos 8-9), famoso por seus versos erotizados e pelo poema que lamenta, “Ó tribo que ama garotos”:

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Ó tribo que ama garotos
De um prazer que  não será encontrado
No Paraíso
Apesar de todas as suas supostas alegrias