O Hamas inventou o gênero “pop terrorista”

Diogo Bercito

A gradual compreensão do que eu ouvia tocar no rádio desfazia toda a delicadeza daqueles minutos. A caminho de Khan Yunis, no sul de Gaza, há algumas semanas, perguntei à minha tradutora Jihad –com um passarinho amarelo nas mãos, sorrindo no banco de trás– se eu estava entendendo bem a letra da música transmitida, em árabe, por uma estação do Hamas. “Sim”, ela me respondeu. “Ataque Israel, mate os judeus, destrua Tel Aviv.”

A experiência desconcertante, mais pela música ser aceita do que por ela existir, ficou latente na minha memória, à espera de digestão. Até que li, agora há pouco, um artigo sobre outra canção de ódio lançada pela facção palestina Hamas. Vocês podem clicar aqui para ler o texto, que discute extensamente a letra de “Qum, Taaseh Piguiim” –“Levante-se, faça um ataque terrorista”, em hebraico. O vídeo está no início deste relato.

Então, outra surpresa. A música não havia sido recebida em Israel com pavor ou indignação. “Qum, Taaseh Piguiim” virou hit. Está, segundo o autor do artigo, na boca dos soldados israelenses e na das crianças na escola. O refrão anima, também, os jovens nas festas noturnas de Tel Aviv. Mais do que isso, a música, originalmente cantada em árabe, foi transformada em diversas versões. Já há variações em piano ou cantadas “a capella”.

Há diversas explicações, no texto, sobre por que “Qum, Taaseh Piguiim” tornou-se um fenômeno em Israel. Entre elas, o fato de que a música é cantada em hebraico por membros da facção militante Hamas. A língua árabe não tem o som de “p”, pelo que a canção diz “biguiim”, e não “piguiim” —como se alguém gravasse uma música terrorista em português e trocasse as letras. Além disso, “Qum” foi gravada em um ritmo que, em Israel, é associado a festas de casamento.

Mas parece haver, também, um fator de ridículo numa canção motivacional de uma organização terrorista que, afinal, vai precisar de bastante retórica para encontrar vitórias estratégicas neste conflito. Abaixo, a versão original em árabe da música.

Eu discordo de diversos dos argumentos do artigo que citei no início deste relato. O autor afirma, no fim do texto, que a canção do Hamas serve de motivação a soldados israelenses porque mostra a eles “sobre o que é esta guerra”, ou seja, sobre o embate entre uma cultura agressiva e outra defensiva. É uma visão heroica e, para mim, fantasiosa do que realmente está sendo movimentado na política tanto israelense quanto palestina. Mas essa é outra questão. Mais interessante é esta outra linha de raciocínio:

Israelenses riem da incompetência do Hamas em escrever uma música, porque, ao transformar essa ameaça em algo engraçado, eles também fazem dela uma coisa com que podem lidar. Uma ameaça que podemos derrotar.

Abaixo, trechos da letra de “Qum, Taaseh Piguiim”.

Levante-se, faça ataques terroristas
Apedreje eles, dê golpes terríveis
Elimine todos os sionistas
Faça tremer a segurança de Israel

[…]

Cause a demolição de Israel até suas fundações
Extermine o ninho de baratas
Expulse todos os sionistas!

[…]

Ele estão aterrorizados pela morte, e correm para se esconder
Atrás de paredes e de quartos reforçados

[…]

Atinja eles agora, multidão de mísseis
Transforme o mundo deles em cenas de horror

[…]