Uma pomba morta me recebe em Gaza
Você não precisa ser dado a superstições para identificar um mau agouro. Assim, acenei com a cabeça em resignação ao passar pelo primeiro portão metálico rumo à faixa de Gaza, na passagem israelense de Erez — vi diante de mim uma pomba imóvel, com as asas abertas e a cabeça morta pousada sobre o chão, deixando atrás de si um rastro de sangue.
A pomba costuma ser associada à paz. Mas, a mim, ela significou ali o seu avesso. Foi uma das primeiras imagens da minha passagem por Gaza, que iniciei hoje após duas semanas de ação militar israelense nesse estreito de terra, com mais de 600 palestinos e 30 israelenses mortos. Conforme eu seguia adiante pelos portões e corredores, adentrando o volátil território controlado pela facção Hamas, a ave morta me lembrava de que a paz, ali, continua sendo apenas um símbolo.
Fazia alguns meses que eu havia estado em Gaza pela última vez. O espectro da morte escureceu as coisas, aqui. O caminho de Erez até meu hotel, anteriormente vivo entre mercadores e burros de carga, era hoje à tarde um trajeto de cidades fantasmas sonorizado pelas explosões da artilharia israelense. Uma fumaça negra subia das construções bombardeadas. Passamos, na estrada, pelo cadáver do que parecia ser uma mulher.
Mas ainda mais impressionante é observar, de perto, a resiliência da população gazati. Em um calor sufocante, e depois de duas semanas de bombardeios inesperados, nos quais dezenas de crianças foram mortas, esses moradores ainda encontram forças — não sei de que poços — para sorrir a mim e acenar, quando passo.
Em Gaza, o dia nunca foi fácil. Mas, em visitas anteriores, pude encerrar meu trabalho e descer ao restaurante do hotel para observar a linha costeira e, quem sabe, fumar um narguilé de maçã. Ficou mais difícil. Hoje, as mesas estão tomadas por repórteres ansiosos com prazos e alucinados pelas imagens de destruição que viram durante o dia.
Escrevo estas linhas enquanto anoitece, no estreito de terra. A luz vem e vai, e a água do chuveiro tem gosto de mar. Os drones circulam pelos céus, invisíveis, zunindo ininterruptamente. A artilharia destrói casas, e famílias vão dormir sem saber quem vai acordar.