Guerreiros europeus e o jihad na Síria

Diogo Bercito
Reprodução de suposto jihadista britânico na Síria. Crédito YouTube
Reprodução de suposto jihadista britânico na Síria. Crédito YouTube

“Todos os homens sonham, mas não igualmente”, escreve TE Lawrence em suas memórias da revolta árabe de 1916-18. “Aqueles que sonham à noite nos cantos poeirentos de suas mentes acordam de dia e descobrem que era vaidade. Mas os sonhadores diurnos são homens perigosos, porque podem agir sobre seus sonhos de olhos abertos para torná-los possíveis.”

Me deparei hoje, em uma reportagem da Al Jazeera (leia clicando aqui), com essa citação do oficial britânico que conhecemos, via cinema, pelo apelido de “Lawrence da Arábia“. Ícone no Ocidente, a partir de sua suposta liderança de milhares de beduínos em uma batalha contra o império otomano, Lawrence é também o símbolo de uma ética aventureira e intervencionista que há décadas tem marcado as relações entre Estados ocidentais e o mundo de cultura árabe.

As observações do oficial britânico, como bem costura a Al Jazeera, parecem ainda ser adequadas à região. Quase um século depois de suas aventuras no Oriente Médio, milhares de europeus têm viajado à Síria para participar de um complexo e violento conflito armado. Eles dizem que estão ali –de olhos abertos ou fechados– para o “jihad”, o esforço por uma guerra santa.

Recentemente um rebelde com forte sotaque britânico ganhou fama na internet ao descrever as condições de vida durante a insurgência contra o regime de Bashar al-Assad (veja o vídeo aqui, em que ele diz não ser fácil “ficar na frente de um tanque quando ele dispara contra você”). Hoje fóruns jihadistas na internet estavam anunciando a morte do rapper alemão Deso Dogg, supostamente vitimado no domingo por um atentado terrorista. Ele havia entrado para a facção Estado Islâmico do Iraque e do Levante e adotado o nome Abu Talha al-Almani (“o alemão”). Leia a notícia clicando aqui.

Parte desses guerreiros deixou a Europa tendo em vista defender um país –do regime ou da insurgência, a depender do ponto de vista– com o qual tem relação. Em alguns casos, são os laços familiares. Em outros, os de religião. Mas há também, notam pesquisadores ouvidos pela Al Jazeera, aqueles que se arriscam no deserto sem ter nenhuma conexão clara com a Síria. Um terço deles são conversos desconectados com os mundos árabe e islâmico, diz Mathieu Guidere, da Universidade de Toulouse, na França.

Para Jeremy Wilson, biógrafo de Lawrence, há um possível paralelo nas histórias desses guerreiros e na do oficial britânico, incluindo a ideia de incompatibilidade social. Lawrence era, afinal, “um excluído involuntário”, sendo filho ilegítimo em uma sociedade conservadora. “[Os guerreiros europeus na Síria] lutariam no Oriente Médio se estivessem contentes em casa? Não acho que a tentação seria muito forte”, diz Wilson.

Ainda que a motivação seja pessoal, a questão está longe de ser de foro íntimo. A crescente onda de europeus rumo à Síria para lutar no conflito civil –que já matou mais de 150 mil pessoas nos últimos três anos– é preocupação de segurança doméstica, na Europa e nos EUA. Porque os sobreviventes desses embates violentos um dia irão retornar a suas casa. Ali, preocupam-se os governo ocidentais, podem doutrinar conterrâneos.

Semelhantes preocupações levaram o governo israelense a perseguir jovens árabes-israelenses que viajaram à Síria para participar do confronto. Conversei com as famílias de alguns deles recentemente, e vocês podem clicar aqui para reler essa história.

Os guerreiros europeus na Síria são, afinal, rejeitados pelos grupos mais seculares, que não podem desagradar governos europeus enquanto pedem financiamento e armas para sua luta. Cabe às facções islamitas, incluindo aquelas ligadas à rede terrorista Al Qaeda, absorver esses homens.