Na Síria, um boné de “eu amo Assad”
Publiquei, ontem, uma interessante conversa com o vice-chanceler sírio Faisal al-Maqdad, que me recebeu em seu escritório durante minha passagem por Damasco (leia aqui). É a quinta reportagem que publiquei nesta síria série, e sugiro aos curiosos a leitura de pelo menos outras duas delas — o relato dos avanços do regime (clique aqui) e a descrição do programa de reabilitação de rebeldes (aqui).
A conversa com Maqdad me traz a uma das dúvidas colocadas aqui por leitores, nos comentários do blog: Bashar al-Assad é mesmo o monstro que parece ser, a distância? É essa a opinião das pessoas, nas ruas? Difícil responder. O vice-chanceler certamente lhes diria que não. Antes da nossa entrevista, ele me apontou para um quadro de Assad na parede da chancelaria e reclamou daqueles que lhe criticam.
Nas ruas, vai depender de quem a perguntarmos. Já não parece, como no início da insurgência, que a oposição a Assad é unânime. Na verdade, em Damasco, sua fortaleza, transbordam pelas ruas as bandeirolas, os broches e os cartazes com seu rosto, acompanhados por frases de apoio como “todos juntos com o presidente”. Vi à venda um boné de “eu <3 Assad”.
Talvez seja difícil de entender o apoio contínuo a Assad, quando nos lembramos de que a crise na Síria já deixou mais de 150 mil mortos e, de acordo com a comunidade internacional, a cifra é em grande parte responsabilidade da Presidência do país. Por outro lado, conversando com sírios durante minha passagem pelo país, ouvi as preocupações de quem pensa no que poderia vir com a queda do regime. As imagens que nos chegam das áreas controladas por facções islamitas, no norte, mostram decapitações e um rebelde comendo um coração humano.
A verdade é que o conflito sírio não é um romance ou um filme ao qual assistimos por duas horas, no cinema, e que podemos comentar em seguida durante o jantar, em termos de “certo” e “errado”. As relações internacionais não precisam ser, afinal, “morais“. E o conflito na Síria é, já está claro, também o conflito entre as potências regionais, a exemplo do financiamento saudita e do envio de militantes libaneses para o campo de combate.
Uma leitora me perguntou o que as pessoas, na Síria, esperam da comunidade internacional. Também é difícil responder. Fiz essa mesma pergunta quando estive no campo de refugiados sírios de Zaatari, na Jordânia, e mesmo ali recebi respostas diversas. Em parte, há a expectativa de que os EUA, como potência, interfiram no país para acelerar a deposição de Assad. Por outro lado, quem apoia o regime pede que as “forças externas” deixem a solução do conflito sírio para os sírios.
As diferentes respostas dão conta, é claro, de diversas narrativas. A insurgência e a comunidade internacional têm insistido na ideia de que os confrontos são o resultado de uma ânsia por liberdade, em um país governado há décadas pela mesma família e pelo mesmo partido. Mas o regime afirma que o conflito é, na verdade, fruto da influência externa de atores não democráticos como Arábia Saudita, com interesses geopolíticos no colapso da Síria (Maqdad discute essa ideia, durante a entrevista).
Para as pessoas comuns, os temas políticos parecem menos importantes do que garantir que vão voltar a salvo do trabalho, no fim do dia, protegidos da chuva de morteiros da oposição ou dos bombardeios aéreos do regime. Meu último contato, no país, foi com um rapaz de 25 anos que cruzava ilegalmente a fronteira com o Líbano para desertar o Exército e tentar recomeçar a vida na Turquia. Não há mais nada na Síria, ele me diz.