Desculpe, mãe, mas eu estava na Síria
Talvez vocês tenham notado a minha ausência aqui. Meus pais também. Mesmo depois de eu dizer a eles que estaria desconectado, durante a semana passada, eles desconfiaram de que eu não estivesse em casa, em Jerusalém. Estavam certos. Telefonei a minha mãe na segunda-feira de um hotel em Beirute, no Líbano, para dizer —desculpe, mas estive na Síria.
É que as mães, nós sabemos, se preocupam. O que não quer dizer que não entendam que nosso trabalho é necessário. No caso da Síria, principalmente porque o país vive um apagão de informação. Nas áreas controladas pelo regime do ditador Bashar al-Assad, o acesso a fontes é limitado pelo aparato estatal, que bloqueia pedidos de visto. Nas regiões tomadas por insurgentes, o risco é tão alto que afugenta mesmo os veteranos, em meio a sequestros indiscriminados de repórteres.
Estamos no quarto ano de conflito na Síria, com mais de 150 mil mortos e 9 milhões de deslocados. É necessário manter a história no foco e, sim, insistir nesta narrativa. Se não pela importância geopolítica do embate, que divide o mundo em eixos –EUA e Europa, Rússia e China–, mas ao menos porque nos importamos com os civis que estão morrendo por desnutrição em áreas sob sítio.
Comecei minha viagem em Beirute, no banco do passageiro de um carro rumo a Damasco. Em três horas, havíamos passado por dezenas de controles militares. Na fronteira libanesa, um soldado me perguntou, rindo, “fi bomb o ishi?”. “Tem uma bomba ou alguma coisa assim?”. Na fronteira síria, meu passaporte foi carimbado enquanto eu prestava atenção a uma caricatura de um judeu soprando uma trombeta no mapa da Síria. Não entendi a frase, em árabe, mas me lembro de ler as palavras “fogo” e “inferno”.
Entre Beirute e Damasco, meu carro foi alvo de uma saraivada –de borboletas. Aparentemente, um período de migração, talvez a vinda da primavera. Como projéteis, os animaizinhos se chocavam contra o vidro do carro, deixando uma mancha amarela. Como uma amiga libanesa comentou, quando lhe narrei a experiência, a morte desses insetos é quase a imagem da crise síria em si –plasmando a violência sombria e inesperada tomando uma forma a princípio bonita. Uma borboleta laranja presa no para-brisas.
Cheguei a Damasco no começo da tarde, voltando assim à cidade que eu havia conhecido em 2010, antes de saber que me tornaria um correspondente no Oriente Médio. Àquela época, ninguém previa a Primavera Árabe e, ainda se o fizesse, dificilmente suporia que a Síria seria o palco do conflito mais violento da região. Tenho poucas memórias daquela cidade, mas fui recebido por um quadro novo, mesclando o horror da guerra com a vida cotidiana. Jantei em todas as noites, em um restaurante com vista para as montanhas, ouvindo o som da explosão das artilharias.
O resultado dessa semana damascena estará nas edições da Folha, em breve. Vou guardar para o blog parte das histórias que investiguei, e conto com vocês para saber de antemão –o que vocês querem ler sobre a capital síria, no quarto ano de sua guerra civil?