Para quem pede o retorno da ditadura, o Egito
As notícias sobre o Brasil se tornaram, para mim, assunto de editoria internacional. Daqui de Jerusalém, tento entender tudo o que mudou no país desde a minha partida. Leio sobre manifestações em São Paulo como provavelmente vocês leem sobre protestos no Cairo.
Talvez daí minha facilidade em saltar da notícia das marchas simpáticas à ditadura, no Brasil, ao anúncio da candidatura de Abdel-Fatah al-Sisi à Presidência do Egito. Tenho consciência de todos os abismos entre ambos, mas me dou ao direito de usar um ao outro para iniciar este relato.
Sisi anunciou ontem (26), conforme reportei na edição impressa da Folha, que deixa o Exército egípcio, abandonando o cargo de ministro da Defesa e a farda militar para, diz, servir a sua nação. Popular, visto como a solução para a instabilidade política e o caos econômico, Sisi é uma espécie de herdeiro da imagem heroica do ex-presidente Gamal Abdel Nasser (1918-1970).
Mas Sisi é, por outro lado, um dos mentores do golpe militar que derrubou Muhammed Mursi da Presidência do Egito, em 3 de julho, enquanto eu cobria as manifestações da praça Tahrir. Um dos pilares do governo interino, Sisi também não está isento da acusação de que reprima a Irmandade Muçulmana, cujos simpatizantes vem sendo perseguidos e mortos no país –como no massacre da mesquita de Rabia al-Adawiya, cujos corpos contei um dia no Cairo (clique aqui para ler).
A deposição de Mursi e a recente idolatria ao Exército egípcio surpreendem quem esteve no país, nos últimos anos –assim como um apoio a uma intervenção militar no Brasil, em manifestações. O Egito acabara de depôr, em 2011, o ex-ditador Hosni Mubarak e, nos meses seguintes, odiara o Exército e os anos acinzentados que os antigos generais representavam.
Os críticos agora temem o retorno da mão repressiva e da máquina corrupta, dando conta de que a tal revolução da Primavera Árabe alterou o rosto, mas não a estrutura do regime egípcio.