Etiópia, judaísmo e o mito fundador

Diogo Bercito
O encontro entre a rainha de Sabá e o rei Salomão, em pintura de Piero della Francesca. Crédito Reprodução

A edição de ontem da Folha trazia uma reportagem sobre a imigração etíope a Israel, assinada pelo editor de “Mundo” Fábio Zanini (leia aqui).

Quero aproveitar o ensejo para escrever aqui sobre uma de minhas pinturas prediletas no complexo religioso do Santo Sepulcro –um quadro pendurado em uma capela anexa à basílica, retratando o encontro entra a rainha de Sabá e o rei Salomão. Infelizmente, não encontrei a pintura para publicar aqui no blog, então usei acima uma gravura do italiano Piero della Francesca (século 15) sobre o mesmo tema.

A imagem, escondida em um canto de uma capela escura e puída no coração de Jerusalém, registra um momento importantíssimo da história do judaísmo e também do povo etíope. O encontro entre a rainha de Sabá e o rei Salomão é, afinal, o mito fundador que une a Etiópia a essa religião monoteísta.

O épico etíope “Kebra Negast” afirma que os etíopes descendem de tribos israelitas trazidas à região pelo filho da rainha de Sabá e de Salomão. A lenda também diz que ele levou ao país a Arca da Aliança, que guardava as tabletas dos Dez Mandamentos recebidos por Moisés.

Não à toa as ondas de imigração etíope para Israel, no século 20, foram chamadas de Operação Moisés (1984) e Operação Salomão (1991).

Esses judeus de origem africana, porém, não encontraram em Israel a mesma recepção dada a outros grupos de imigrantes. Alvos de preconceito, eles hoje se concentram em regiões periféricas do país e vivem em uma comunidade pouco aberta.

Os judeus etíopes são facilmente identificados, nos arredores da estação central de ônibus de Tel Aviv, pelas vestes brancas rituais e os penteados elaborados de suas mulheres. Em Jerusalém, em dias festivos, eles se reúnem em restaurantes típicos, como os da rua Jaffa.

Nos anos 90, a comunidade foi o centro de uma polêmica, ao ser noticiada a prática de descartar doações de sangue de etíopes. Recentemente, relatos de contracepção forçada de novos imigrantes vindos da Etiópia deram conta de que o preconceito ainda é fato no país.

Uma pesquisa com base em dados econômicos de 2010 realizada pela Universidade Bar-Ilan mostra que imigrantes etíopes têm salário entre 30% e 40% menor em comparação com árabes-israelenses —que também reclamam da discriminação.

O levantamento compara apenas trabalhadores de ambos os grupos quando entram no mercado de trabalho, sem experiência prévia.

Alguns setores ultraortodoxos, além disso, não aceitam os etíopes como judeus, e casamentos e conversões nessa comunidade são por vezes considerados inválidos do ponto de vista religioso.

Esse é um assunto delicado, por aqui. É difícil discuti-lo com israelenses, incluindo os etíopes. Quando entrevistei a miss Israel, de origem etíope (leia aqui), ela preferiu não tocar no assunto. O que não quer dizer, é claro, que não seja uma questão social a ser resolvida enquanto esse jovem país segue adiante –sob a promessa de ser, acima de tudo, inclusivo.

Comentários

    1. Observação típica de quem nem conhece o significado da palavra apartheid. Não imagina o que deve ter sido o apartheid na África do Sul e, não tem a mínima ideia do que seja o Estado de Israel, sua sociedade, suas leis, seu estado democrático e suas instituições judiciárias. Existem muitos regimes ao redor do mundo para o Sr. Renato questionar em relação às liberdades individuais e coletivas e de índices de desenvolvimento humano como um todo. Pesquise em que patamar Israel está em relação à centenas de países e depois retorne com base em números e não, e tão somente, em ignorante propaganda anti israelense.

  1. De que fontes voce tirou que existe preconceito oficial em Israelmo que vejo somente é o seu preconceito de divulgar mentiras!

    1. Silvio, por exemplo –http://www.haaretz.com/news/national/state-comptroller-to-probe-claims-ethiopian-women-given-contraception-to-reduce-birthrate.premium-1.535735

          1. Ricardo, não acho que seja possível comparar. As situações são muito diversas. Obrigado! Diogo

  2. Quando é que os homens, chefes em todas religiões, vão de querer de deixar de comandar as mulheres, sem elas, eles não estariam neste mundo.

    Sabemos hoje que DEUS fez primeiro a mulher (só ela tem o poder de procriar) mas vendo que elas só fariam clones, fez o homen como seu companheiro para fazer as diversificações dos seres humanos

    1. muito engraçado, a imaginação humana é muito fértil mesmo. Meu amigo, Deus fez primeiramente o homem e depois a mulher em decorrência do amor de Deus por nós. E Deus viu que tudo era muito bom.

  3. Diogo. O tema dos judeus etíopes é de fato muito fascinante. O próprio cristianismo na Etiópia também é muito influenciado por símbolos judaicos (Arca da Aliança). No entanto o antigo reino de Sabá não ficava no Iêmen?

  4. ” Recentemente, relatos de contracepção forçada de novos imigrantes vindos da Etiópia deram conta de que o preconceito ainda é fato no país “. Acredito que o bloguista esteja fazendo ilações no artigo citado no Haaretz. Sobre o mesmo assunto no Jerusalem Post ( http://www.jpost.com/National-News/State-Comptroller-says-will-probe-Ethiopian-birth-control-shots-319779 ), a narrativa diz em anticoncepcionais dados sem as explicações devidas às mulheres por parte dos médicos. Segundo, métodos anticoncepcionais só não são usados pelas mulheres dos haredim e muçulmanos. A maioria esmagadora das israelenses fazem contracepção. O método depende da opção e da possibilidade ou não de usa-lo. O hormonal injetável dá maior segurança às mulheres que por várias vezes esquecem de tomar os comprimidos de anticoncepcionais orais, e preferem esta administração por considera-la mais segura a longo prazo. O próprio Estado através do ” State Comptroller Yosef Shapira ” é que vai apurar e definir as medidas à serem tomadas. Terceiro, Israel não é, como nenhum outro país, isento de erros e acertos. Preconceitos existem igualmente em qualquer lugar, assim, diferenças salariais motivadas por cor, sexo, aspecto físico, se fumante ou não e por aí vai, ocorrem e são corriqueiras em todas as sociedades. Acreditar que Israel fosse um país de só virtudes, ou, só defeitos e imperfeições, é exagerar sobre um país de 65 anos, e que já atingiu um patamar de minorar desigualdades sociais acima da média em relação à tantos outros já vetustos.

  5. Luiz falou alto, bom som e bem falado: Israel é só um país (refundado há muito pouco tempo) como outro qualquer, com acertos, desacertos, problemas sociais de montão e muita luta oficial para aliviar e erradicar o que aflige, incomoda e traz desconforto à população. Os etíopes trouxeram à sociedade israeli a riqueza da diversidade, mas também problemas àqueles que ainda não estão preparados para enxergá-los como conterrâneos ou a enxergar as diferenças como algo que enriquece toda a coletividade. Mas deixe estar que superaremos também essa questão. O tempo tomará conta de tudo.

  6. Agora alguns dados da absorção dos imigrantes etíopes :
    Os imigrantes da Etiópia, indubitavelmente, recebem muito mais benefícios do governo israelense do que os imigrantes do resto do mundo.
    Um imigrante do Brasil tem direito, por exemplo, à 5 meses de centro de absorção (uma vivenda subsidiada pelo governo). Já um etíope, tem direito à 3 anos de centro de absorção, chegando à casos de 6 a 7 anos.
    Os imigrantes do resto do mundo tem direito à 5 meses de curso de hebraico básico. Os etíopes tem direito à 10 meses, com possibilidade de prorrogação para mais meses, se necessário.
    Os etíopes recebem 100% de bolsa de estudo para qualquer curso superior, enquanto um imigrante de outro pais recebe 85%.
    Quando um imigrante etíope não pode trabalhar pela idade ou, por ter dificuldades de comunicação, ele recebe uma pensão do Serviço Social Nacional que seja suficiente para sua subsistência.
    E o beneficio mais importante de todos: um imigrante etíope só sai do seu apartamento no centro de absorção diretamente para a sua casa própria. Isto quer dizer que o Estado paga 80% do valor do imóvel, e os outros 20% eles terão que pagar com uma hipoteca de até 30 anos.
    Os imigrantes da Etiópia tem sinagogas onde podem se expressar e fazer suas orações em sua própria língua, amarit, além do hebraico. Também clubes onde podem se encontrar e socializarem com a sua cultura, costumes, comidas, músicas. O idioma amarit predomina nestes encontros..
    Apesar de ser muito difícil para muitos, o Estado de Israel faz de tudo para que a absorção destes imigrantes seja a mais fácil possível.
    Estes dados podem ser checados junto à Agência Judaica, responsável pela imigração dos judeus de todo o mundo.

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