A construção social no Egito

Diogo Bercito
Cena do filme inspirado em “Edifício Yabubian”, do autor egípcio Alaa al-Aswani. Crédito Reprodução

Nosso Senhor criou os egípcios para aceitar a autoridade governamental. Algumas pessoa são excitáveis e rebeldes por natureza, mas o povo egípcio mantém sua cabeça baixa a vida toda para que possa comer. É o que dizem os livros de história. Os egípcios são o povo mais fácil de ser governado no mundo.

É o que diz um determinado personagem no livro “Edifício Yacubian” (Companhia das Letras), de Alaa al-Aswani.  A obra, escrita no início dos anos 2000, já expunha as agruras sociais que, em 2011, levariam os egípcios às ruas para provar que não –não foram criados para aceitar a autoridade do governo. Em poucos dias, milhões haviam derrubado o ditador Hosni Mubarak, que governara o país por quase 30 anos.

Hoje (30), um ano após o islamita Mohammed Mursi tornar-se o presidente democraticamente eleito do Egito, multidões foram às ruas mais uma vez, como quem descobriu uma receita secreta, e pedem por outra revolução.

Li a obra de Alaa al-Aswani para entrevistá-lo, nesta semana. O texto foi publicado na Folha de sábado, na Ilustrada (clique aqui para ler). “Edifício Yacubian”, em especial, me impressionou pelo olhar agudo e pelo tom analítico com que, deixando os personagens de lado por algumas páginas, Aswani rascunha o contexto político das decisões morais de seus anti-heróis.

O livro traz o nome de um edifício real no Cairo, construído como residência de luxo e, com o passar das revoluções, tomado por uma população decadente, arruinada pela crise econômica e social do país. Os apartamentos gigantes, com suas sacadas em estilo europeu, são ocupados por quem ficou de fora do projeto político nacional. O telhado tornou-se uma espécie de cortiço, com famílias dividindo cubículos originalmente planejados como depósitos.

Aswani conta, aos poucos, a história desses moradores e de como o encontro entre as diferentes classes sociais é sempre conflituoso. Há o filho do porteiro, humilhado por seu rendimento escolar –os mais ricos tentam encontrar nele alguma falha moral para justificar suas notas exemplares. Há também o homem gay que sustenta um jovem soldado, seu amante, enquanto ambos transitam por uma sociedade homofóbica. Há, ainda, a garota que, assediada pelo patrão, percebe que, se conseguir suprimir sua objeção moral, poderá enriquecer satisfazendo os desejos de outros homens. Em geral, o edifício cairota simboliza a degradação social que vem ali na garupa da pobreza.

O escritor, enquanto conversava comigo, deixou claro que não quer ver a obra lida apenas como “caso egípcio”. Ele acredita, com razão, que desenhou por meio de seus personagens apenas mais um exemplo do drama humano que, lido em qualquer lugar, terá algo a dizer. Aswani diz ter se inspirado em seu escritor predileto, o colombiano Gabriel García Márquez, para traçar as histórias realistas de seu livro.

Mas é tentador ler e reler “Edifício Yacubian”, ou o recém traduzido pela professora da USP Safa Jubran “E Nós Cobrimos seus Olhos” (Companhia das Letras), como indício das mazelas que, presentes por décadas, empurraram a população às ruas.

Não estou no Egito, hoje. Mas gosto de pensar que, caso estivesse, encontraria os personagens de “Edifício Yacubian” no centro do Cairo, protestando diante do prédio armênio que dá nome à obra –pedindo, como coração de sua mensagem, um país melhor.

Personagens homossexuais em filme inspirado na obra “Edifício Yacubian”. Crédito Reprodução

Comentários

  1. Diogo, excelente matéria. O Edifício Yacubian existe em todos os lugares do mundo, abrigando os mesmos problemas, personagens e tentativas de mudança. Basta ter um mínimo de sensibilidade para comparar a obra com a realidade da vida. O Cairo também é aqui!!!

  2. Em muitos aspectos a Historia do Egito e um paradoxo.os Egipcios de hoje podem proclamar-se os descendentes e herdeiros do mais antigo grupo civilizado da humanidade.Sabem, tambem que durante mais de sete Mil anos o Egito existiu como uma naçâo unificada. Apertado entre as estreitas fronteiras do Vale edo delta do Nilo,cercado por desertos ,o povo Egipcio desenvelveu ,atraves de seculos ,caracteristicas nacionais que o diferenciam profundamante de seus vizinhos do leste ,Oeste e sul.como consequencia ,o nome EGITO significa alguma coisa para os escolares de qualquer Raça e Egipcio evoca um retrato mental para cada pessoa O paradoxo reposa no rato desses pioneiros da civilização e do conceito nacional terem sido governados por outras nacionalidades, durante cerca de 2.500 anos Ultim terço de sua historia ,Seu sistema administrativo e suas forças armadas foram controladas por nâo-egipcios ,abertamente ou por tràs dos pastidores. A classe social dominante nas cidades e estrangeiras, ou pelo menos ,fala lingua estangeira ,o Grande Egito Berço da civilização ,O povo do Egito ,da cultura e da sabedoria ,conte a sua Historia .

  3. Excelente reportagem.
    Sua lucidez vai te levar ainda mai slonge na sua carreira.

    Voce e’ uma lufada de sabedoria no lixo que vemos por ai sobre o oriente medio.

    Parabens!

  4. Quando NASSER se rebelou juntamente com seus companheiros ,os coroneis do Grupo dos Oficiais Livres,o que era o Egito? uma semicolonia inglesa ,com um rei sem dignidade e um governo em deecomposição. o partido Wafdista ,falsamente nacionalista ,do primier Nahas pachà ,governava o psis ,inclusive com o apoio de forças progressistas de orgâos de liderança que representava .pelo menos aceitava passivamente uma melancolica realidade : uma corte corrupta ,um exercito somente acostomado a combater as manifestaçôes populares e que se desmoronou na primeira vez que se defrontou com um exercito estrangeiro ,um governo desmoralizado ,soi disant nacionalista e avançado , mas que aceitava comodamente ,o status quo: a nação vivendo em pleno feudalismo e a riquezas mais importantes do pais sob controle estrangeiro .morreu NASSER, o Homem .Mas pemanecerá vivo NASSER ,o Estadista .porque ele plantou ,carnhosamente ,com sua vida ,as sementes que mais facilmente podem fertilizar as terras uma tanto virgem do terceiro mundo contemporaneo .Eu acredito que apesar dos atuais problemas e toda as manobras estrangeiras para provocar a destruiçâo da patria Egipcia ,a vontade do do povo valente do egito Vencerà ,o Bem sempre vence do mal.

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