A sombra que paira sobre o Líbano

Diogo Bercito

O líder do Hizbullah, Hasan Nasrallah, em discurso por criação de Estado islâmico (data provável, 1988)

Não será exagero supor que a Primavera Árabe, ou o que restou dela, entrou recentemente em um novo período. Com a decisão do Hizbullah de enviar centenas de militantes para a vizinha Síria, onde insurgentes batalham contra o ditador Bashar al-Assad, o Líbano pode estar sendo tragado para outro período sombrio de sua história.

O ponto de inflexão foram os guerreiros libaneses que participaram, na semana passada, do assalto a Qusayr, no lado sírio da fronteira. Ali, o Exército do regime trava violento conflito com rebeldes pelo controle de uma cidade estratégica para as rotas de suprimentos. Membros do Hizbullah morreram às dezenas, e foram enterrados como mártires.

Os guerreiros do Hizbullah são muçulmanos xiitas, assim como a minoria alauita que domina há décadas a política na Síria. Assim como o regime do Irã, também, que arma ambos os grupos.

É aí que se esconde o insidioso fantasma da violência sectária. O Líbano, como a Síria, tem grande população sunita –e a cidade de Trípoli já está vendo conflitos entre as duas seitas, com mortos e feridos a cada dia.

Robert Fisk resume o problema em artigo (clique aqui) no “The Independent”.

Simplesmente, esse é em potencial o maior perigo ao povo libanês –sem mencionar a soberania de seu Estado sectário– desde a guerra civil de 1975-1990.

Ainda é cedo para avaliarmos o resultado dessa crise. A história se escreve depois de acontecer. Mas os fatos são alarmantes. Ontem, foguetes foram disparados contra um centro de comando do Hizbullah, no Líbano. Horas depois, foguetes foram disparados a Israel, provavelmente partindo da cidade libanesa de Marjayoun.

Estão todos atentos. Há meses visitei a fronteira entre Israel e Líbano, em Rosh Hanikra, e vi os exercícios militares em andamento. Conversei com soldados, visitei as cercas dentro de um blindado.

Hoje, Israel realiza em todo o país duas simulações de ataques. Às 12h30 e às 19h05 sirenes vão ser disparadas, e os moradores terão de correr para abrigos. A simulação inclui armas químicas –como aquelas que o Ocidente teme poderem ser usadas pelo regime de Bashar al-Assad.

Encontrei hoje, no site da Al Arabiya, este vídeo que publiquei acima do texto. É um discurso de 1988 do líder do Hizbullah, Hasan Nasrallah. O líder prega a criação de um Estado islâmico do qual o Líbano será apenas uma parte. É a evidência, ainda que datada, da agenda desse grupo extremista. Como escreve Fisk, o Hizbullah se diz um movimento de resistência –mas por que está resistindo além de suas fronteiras?

Se, como Nasrallah insiste, o Hizbullah é realmente um movimento de ‘resistência’, como pode não ter apoiado a resistência contra Assad? Além disso, se o Hizbullah é uma criatura puramente libanesa — e de novo, isso é em que Nasrallah insiste — que direito tem de enviar centenas, mesmo milhares, de seus homens para lutar as batalhas de Assad?

Comentários

  1. Diogo,Nasrallah esta cada vez se complicando mais.Eles mandam no
    Libano hoje e estao destruindo tudo o
    que sobrava desta regiao,mesmo culpando
    Israel,que e o que sabem fazer.Mas como
    acreditar num RATO que vive escondido?
    E que so fala asneiras? Este papo que o Hezbollah e um grupo de resistencia,e
    papo furado.Que resistencia e esta? Quem os esta atacando? NINGUEM.
    Sao um Bando de Terroristas e devem
    ser eliminados com o tempo,como ratos,
    com inseticida.

  2. Sombra sob o Libano? nao seria “…sobre…”?
    Um Godzila entre o sol e o Libano, tendo projetada
    sua sombra SOBRE (acima) o pais, projecao tanto maior quanto mais baixo estiver o sol no horizonte?

  3. O Líbano sempre teve problemas sectários, e a façanha dos governos mais bem sucedidos foi mante-los sob relativo controle. Porém, esse precário equilibrio começa a desaparecer exatamente com o Hezbola. E se tornou improvável a partir do instante em que, suficientemente armado pelo Irã, torna-se o (agressivo) fiel da balança entre os xiitas e as outras facções. A influencia do Hezbola no Libano nasce pelas armas, e para piorar, as raízes e agenda do Hezbola não são libaneses e sim iranianos. E essa noção torna-se verdade irrevogável a partir do momento que o Hezbola se alia com Assad, arrastando o Libano para uma guerra que não é sua, e sob a qual a população (e o governo) libaneses sequer tem voz.

    1. Aliás, uma notinha de pé de página: Na The Economist desta semana sairam várias matérias, mas a matéria titulo, (Hizbullah May Be Hurting Itself), termina com esta avaliação lapidar: “Yet Hizbullah’s involvement may hurt the movement, too. Its original raison d’être of opposing Israel seems to have switched—in the view of many Muslim as well as Christian Lebanese—into oppressing fellow Muslims.”

      (O envolvimento do Hezbola poderá ferir o próprio movimento também. Sua razão ser original de oposição à Israel, parece ter mudado – na opinião de muitos muçulmanos e de cristãos libaneses – para a opressão dos companheiros muçulmanos.)

  4. Não sou fã de Fisk mas tenho que concordar com ele quando diz “The 2006 war between Israel and Hezbollah was an attempt to destroy Iran’s Shia ally in Lebanon. The battle against Assad – a struggle supported by the US, the EU and those wonderful, freedom-loving demo¬cracies in the Gulf – is an attempt to strike down Iran’s only Arab ally. western-supported rebel battle for Syria is therefore a proxy war against Iran. No wonder Hezbollah has come clean about their involvement.”O big father Israel deveria estar orgulhoso de suas belas crias(Hamas e Hesbollah) que agora tenta eliminar e nessa busca insana
    preparem as suas poltronas e pipocas porque o show está apenas começando.

  5. Quando eu visitei o Libano há muitos anos atras, esse país era considerada a Suissa do Oriente. Aé cheguei a me aventurar numa viagem de onibus de Beirut a Damasco – sem maiores problemas, a não ser grande demora na fronteira Libano/Siria, onde notei que os sirios são árabes fanaticos e os libaneses árabes ocidentalizados.

  6. Prezado Diogo, depois de suas incursões em 3 áreas nevrálgicas para Israel ( Gaza, Golan e Margem Ocidental ) deves ter uma noção melhor do porque da cerca de defesa, bloqueio e domínio do Golan.

    Com uma vizinhança que propaga a destruição de Israel e a formação de uma Palestina única (judenrein), medidas de segurança são postas em prática 24 horas por dia, a um custo elevadíssimo para toda a sociedade israelense.

    A troca de “paz por terras” foi morro abaixo com a saída de Gaza, a margem ocidental continua com suas células terroristas em atividade, apesar do controle (?) da AP. E o Golan está vis-á-vis com terroristas, jihadiicos e o hizbullah que já se apoderaram das posições antes controladas por forças da ONU .

    Com o apoio explícito do Irã e do Assad, o hizbullah espera somente mais armamentos para iniciar uma guerra de atrito. Que, rapidamente tornar-se-á total por parte de Israel. Dificilmente o Líbano, a sede dos “guerreiros”, como você os denominou, deixará de ser envolvido mais uma vez pelos “militantes”, mais uma sua, do hizbullah num conflito em que só tem a perder.

    Este é o futuro com suas sombrias repercussões do envolvimento do hizbullah numa guerra em um outro país (Síria) e, que trará inexoravelmente mais dor e destruição ao povo libanês, apesar de querer ter estado à margem dessa carnificina síria.

    Irã, Rússia e China, os responsáveis pelo desenrolar de 2 anos de barbárie, 80.000 mortos e milhões de refugiados, lá de longe, não se importarão nem com a contagem dos mortos que estão a caminho.

  7. A serviço do Irã, a víbora chamada Nasrallah e seu bando se impõem sobre os interesses do Líbano e dos libaneses, nação da qual os xiitas não se sentem parte. Sim, porque como a própria víbora esclarece, os xiitas do Líbano, como da Síria e de qualquer outro ponto geográfico fazem parte da grande nação xiita liderada pelos aiatolás iranianos. Enquanto o fraco Michel Suleiman apenas pede que o bando xiita libanês reconsidere sua participação na guerra de Al Assad, o povo do Líbano se vê empurrado para mais um envolvimento bélico que, ao que tudo indica, deverá ocorrer.

  8. Diogo: 1º, parabéns pelo blog, principalmente nas matérias que relatam o cotidiano e a cultura dos países da região. Isso nunca aparece no mass media, sabemos bem por que. 2º, se me permite uma crítica, sua fonte sendo a Al-Arabya compromete seu texto, sabe-se tratar de veículo vinculado aos EUA. 3º, essa publicação do líder do Hizbullah em gravação da década de 1980 editada depõe contra o seu blog: trata-se de algo totalmente descontextualizado e claramente editado com fins políticos de denegrir a imagem do Hizbullah e de seu líder.

  9. O Líbano é 1 país sectário, tem bairros muçulmanos separados dos bairros cristãos. Considera-se 1 avanço que os xiitas tenham 1 partido politico.

    Não vejo porque Nasralla apoiaria os rebeldes da Síria. Eles são do mesmo tipo dos rebeldes da Líbia: mercenários a soldo dos estrangeiros . Só querem validar o BTC

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