Histórias sobre Gaza
Foram, em dois dias, 36 comentários a respeito do que vocês pensam sobre Gaza. Do que concluo, apesar de poder estar enganado, que os leitores deste orientalíssimo blog estão bem informados a respeito da situação na região –mas talvez tenham uma imagem incompleta de como é a vida nesse estreito poeirento de terra.
Pode ser instrutivo, então, contar um pouco de como foi minha viagem durante esta semana.
Cheguei a Gaza pela passagem norte, chamada Erez. O terminal israelense, que parece um aeroporto, envolve segurança máxima. As permissões de entrada são raras, basicamente a poucos entre os moradores, a organizações humanitárias e a membros da imprensa em posse de credencial do governo. Filas? Nada.
Do lado palestino, são dois checkpoints. Primeiro, um ponto de controle de passaporte operado pelas autoridades do Fatah, facção palestina que controla o território da Cisjordânia. Dali, pego um táxi para o checkpoint seguinte, já dentro da faixa de Gaza. Desta vez, são homens do Hamas, que checam atentamente minha autorização de entrada (uma espécie de visto que obtive antes da viagem) e inspecionam minha bagagem. Então tenho meia hora até meu hotel, de frente para o mar.
As imagens são confusas. Carros importados, nas ruas, mas também dezenas de burrinhos de carga –um deles morre, e o trânsito emperra enquanto o cadáver é arrastado. Lojas de roupa e, em cima delas, outdoors com imagens de soldados com metralhadoras. Tudo é de concreto, e de repente vejo um agradável parque arborizado.
Até mesmo a praia embaralha as ideias. À noite, enquanto janto, noto que os jovens estão deitados na areia, conversando. Alguns deles apoiam um laptop no colo, enquanto observam o Mediterrâneo. Mas não tiram a roupa para entrar na água –nem meninos, nem meninas.
Eu queria poder imprimir minhas memórias e entregá-las a vocês em uma pasta. Descrever é difícil. De dentro do táxi, olhava para as ruas e tentava comparar a cena com outros lugares que conheço. Me parece mais arejado do que Damasco, mas menos sofisticado. Mais limpo do que a Dar es Salam, mas mais desumanizado. Mais organizado do que o Cairo, mas menos vivo. Se acordasse de repente em uma rua qualquer, poderia acreditar que estava em um bairro pobre de Tel Aviv.
É claro que nada disso resolve as questões que estão por baixo da pele, em Gaza. O bloqueio israelense, que debilita a economia local, por exemplo. Ou a tomada do estreito pelos extremistas do Hamas, que tentam impôr sua agenda fundamentalista na população –o que, em última análise, não pode ser visto como um fenômeno desvinculado da política regional, inclusive israelense.
Gaza é tudo isso o que vocês disseram. “Prédios destruídos”. “Caos”. “Triste”. Mas, de alguma maneira, quando releio os comentários deixados neste blog, me parece que essas palavras não compõem a imagem real –a cidade em que conheci, por acaso, o simpático rapper MC Gaza, que me conta que vai a Israel pela primeira vez para fazer um show. A cidade em que provei um peixe apimentado, pescado na noite anterior, e bebi leite quente com zátar olhando para o pôr do Sol.
Cerca de 70% da população está abaixo da linha da pobreza, e a renda per capita ali é a 164ª no ranking mundial. O serviço de saúde é precário, a eletricidade é inconstante, o acesso a água potável é limitado. Mas o “suq”, o mercado, um dos corações de uma cidade árabe, ainda bate, entre barraquinhas de vegetais e quinquilharias, entre vendedores de ouro e fiéis rumo às orações de fim de tarde, embalados pelo canto dos minaretes.
Diogo, Não consigo nem imaginar como deve ser uma visita a faixa de Gaza!
Quando visitei as cidades de Belém e Eizarya (Betânia) à convivência de carros importados, burros e camelos (p/ turistas) também me chamou a atenção. De forma geral gostei muito de conhecer as duas cidades e a população é muito receptiva a visitantes!
‘…Ou a tomada do estreito pelos extremistas do Hamas, que tentam impôr sua agenda fundamentalista na população –o que, em última análise, não pode ser visto como um fenômeno desvinculado da política regional, inclusive israelense.’ Vc realmente acha que a política israelense tem algo a ver com a tomada do poder pelo Hamas?!?
Ou seja, a enigmática democracia israelense permite que a agenda fundamentalista da minoria dite regras a toda a população, religiosa ou laica (em Israel). Isso faz parte do fenômeno regional abordado na matéria.
Outras impressões: http://ingaza.wordpress.com/2012/08/28/impressions-from-gaza-on-a-few-hot-august-days/ ———– http://chomsky.info/articles/20121104.htm
Sei de nada… Só sei que… na confusão toda quem se lasca sempre são as pessoas boas e honestas! Os maus e inescrupulosos, se acaso perdem seus carros importados, “sempre encontrarão algum burro para carregá-los”. Pena que os “burros” nunca se rebelarão porque essa é a vontade de Deus: burros passivos. Por trás de toda desgraça popular sempre existe algum interesse pessoal e/ou oligárquico. E aí é comum os vermos encruzilhados e “impotentes” entre vários grupinhos (Fatah-Hamas-Israel-Ocidente). Se os povos pudessem agir sozinhos sem líderes e/ou governos que leram O Príncipe de Nicolau Maquiavel (maquiavélicos), teorizo que a miséria não existiria. A passividade dos povos é que os faz carregar nas costas todos os maquiavélicos… iguais aos burrinhos citados no texto: de vez em quando morre um e atrapalha o trânsito temporariamente só… Se Deus quer…
Prezado Diogo, estranho um mapa tão defasado para falar e mostrar uma Gaza atual.Foi pressa ou não existem ainda mapas atualizados da região ?
Quando Israel saiu totalmente de Gaza em 2005, milhares de Gazans trabalhavam em território israelense, a maioria indo e vindo. À partir do aumento dos ataques terroristas, e dos lançamentos constantes de foguetes contra Israel, medidas restritivas foram intensificadas, até culminarem no bloqueio em 2007. Ano da ascensão total do hamas e início do aniquilamento político e físico dos correligionários do fatah.
Como você deve estar ciente os estatutos do hamas pregam a destruição do Estado de Israel e a criação de um Estado Palestino único na região.
“Em última análise, não pode ser visto como um fenômeno desvinculado da política regional, inclusive israelense” , essa sua afirmação em relação ao hamas, me desculpe, não condiz com a realidade dos fatos. Não é, nem nunca foi, formulado por Israel pregar a destruição dos habitantes de Gaza, bem ao contrário do hamas em relação à Israel. Então quem vincula o que ?
Apesar do propalado bloqueio, todos os dias uma média de 250 caminhões entram em Gaza com mercadorias e alimentos.Se formos nos reportar aos túneis com seu contrabando 24 horas por dia, teremos toneladas de produtos diversos e alimentos ( armas e munições idem ) acrescidos ao dos caminhões.
Você que viu a parte rica de Gaza, com seus hotéis e restaurantes ( alguns bem “estrelados” ), não ficou curioso em relação a esta riqueza de alguns em contraste com a pobreza da maioria.
Não achou um tanto incomum que desde que o hamas chegou ao poder, esses empreendimentos luxuosos surgiram quanto maior ( como propalam ) foi o bloqueio israelense.
Não ficou intrigado à ponto de querer saber e conhecer esses novos ricos de Gaza.
Alguns pontos para refletir.
Luiz, bons argumentos para a reflexão. No entanto, eu não vejo esses fenômenos como independentes entre si. O fortalecimento do Hamas, dizem ativistas com quem conversei na região, está ligado a fatores como a decisão de tratar o Fatah como único interlocutor legítimo e o bloqueio marítimo para a pesca (se não me engano, hoje em seis milhas, em vez das 20 previstas por legislação internacional). Mas podemos voltar a esses pontos no futuro, conforme eu publicar meus textos sobre a região. Obrigado pela visita! Abraço,
Olá Diogo, gostei da matéria, bem interessante a maneira como expoe seu ponto de vista e as experiencias na qual passou durante sua visita em Gaza. Moro em Israel porem nao sou Judeu, estou terminando minha faculdade de comercio exterior e financas.
Quanto ao que disse: “O fortalecimento do Hamas, dizem ativistas com quem conversei na região, está ligado a fatores como a decisão de tratar o Fatah como único interlocutor legítimo…”
O Hamas nao e tratado como interlocutor legitimo pelo fato de ter obrigado a populacao a votar em uma eleicao forjada com intuito de legitimar seu controle em Gaza. Um dia apos as eleicoes, os militantes do Hamas assassinaram lideres e membros partidarios do Fatah.
Hamas se beneficia de ajuda internacional, por isso viu carros importados e predios de luxo em quanto a populacao sofre com a pobreza. Se toda esta verba fosse destinada a melhora da educacao e a construcao de hoteis beira-mar atrindo turistas no eixo Europa-Africa-Oriente Medio, Gaza poderia ser um pais totalmente diferente.
Se nao acredita em minha opinao, leia o livro Son of Hamas de Mosab Hassan Yousef, onde o filho de um dos patronos do Hamas ajudou Israel a interceptar varios atentados terroristas durante 99-2007. Ele conta como descobriu que a ideologia de seu gruopo nao passa de ferramenta para lavagem de cerebro da populacao Palestina e para acumulacao de riqueza de seus lideres. Atualmente Yousef tem asilo politico nos EUA.
Se um dia vier a Israel, sera bem-vindo a minha casa, abraco e sucesso.
Muito bom seu blog Diogo, está de parabéns! Já ouvi relatos de pessoas que ficaram abaladas que viram contrastes mais fortes foi lá nos Emirados Árabes, mais especificamente Dubai, diz que a cidade é maravilhosa mas saindo dela já encontra um mar de pobreza.
Agora quer saber como que as coisas são de verdade, pesquise sobre o número de judeus que moravam nos países árabes antes de 1948 e hoje em dia. O problema não é Israel e nem o sionismo…
Fortalecimento do Hamas? esta foi boa,
conta outra.E o Hezbollah ta tomando a
sua quota tambem pelos proprios conterraneos.Esta chegando o dia deles,
a justica demora,mas chega.
Até hoje não consegui entender como um país dividido geografica e politicamente querem se tornar o tão almejado país PALESTINA.
Imaginem – em termos de comparação – como Acre e Goiás poderiam viar um unico país – Impossivel!
Alem disso Israel (filial americana no OM) impõe um bloqueio a Gaza que se assemelha ao bloqueio americano a Cuba.
Não tenho a minima idéia como – e se – algum dia será possivel resolver esse problema. Tá muito dificil e para piorar ainda mais uma solução tem os tais assentamentos absurdos de isralenses dentro da Cisjordania. Imaginem enclaves russos dentro de Minas Gerais!
Bloqueio à Gaza é igual ao que os EUA impõe à Cuba? Por acaso Cuba lança diariamente foguetes nos EUA? Se pra ocorrer esse bloqueio todo dos EUA sem um míssil qualquer, imagine se tivesse. Cuba teria sido varrida do mapa.
Só para constar, NUNCA existiu Palestina com um governo local, NUNCA, sempre foram estrangeiros. Estude e pesquise pra saber mais Neco.
Diogo, sou um dos brasileiros que serviu no Batalhão de Suez na Faixa de Gaza em 1966/67, inclusive a sede do batalhão brasileiro ficava em Rafah. Será que deu para verificar se há alguma indícios das tropas brasileiras e outras que ficaram a serviço da UNEF na região? Lendo seus relatos, o povo palestino continua sofrendo desde daquela época. Creio que paz nessa região entre palestinos e israelenses será impossível, há muitas amarguras e ódios dos palestinos diante do que ocorreu, como ouvimos muitas histórias quando estávamos na Força de Paz da ONU na Faixa de Gaza. Desde daquela época, tudo que é noticiado acompanho, inclusive li o livro Filho do Hamas do Yousef. Parabéns pela reportagem e pela coragem e ousadia de ter ido na região mais turbulenta do mundo há séculos. Abçs
Realmente os palestinos vivem 1 realidade absurda. Os moradores de favelas brasileiros podem ser considerados abastados se compra-los aos palestinos.
Lamentável e você não viu Hebron? É de arrepiar. mil vezes pior que Gaza