Conversas no escuro
Um pouco depois das oito da noite, subo as escadas até o quinto andar de um prédio no centro de Majdal Shams –vilarejo druso ao norte de Israel, na fronteira com a Síria. Fui convidado para um encontro de membros de uma associação árabe pró-democracia. Estou curioso para saber do que se trata.
Abro a porta e me deparo com um grupo de 15 moradores locais reunidos em torno de um bule de café e uma garrafa de Schweppes. “Tafadal, fut”, me dizem –por favor, entre. Me junto ao grupo. Então, quando a reunião começa, me dou conta do óbvio: todos eles vão falar em árabe coloquial. Eu ainda estou me adaptando às grandes diferenças regionais da língua. Não vou entender toda a conversa.
Depois de dois minutos de pânico, me apoio no encosto da cadeira de plástico e relaxo. Aceito a experiência como uma aula de árabe coloquial –e, por que não, como um desafio jornalístico.
Os drusos se revezam em discursos acalorados e, em geral, polidos. Ninguém se interrompe. Um pergunta ao outro sua opinião. “Bas sa’alt lak iza…”, diz um deles –“porém, perguntei-lhe se…”. Pesco algumas informações. 15 mil dólares para Quneitra, do outro lado da fronteira. Deve ser ajuda humanitária. Fawze, meu contato, esteve recentemente em Amã, na Jordânia, para arrecadar fundos para refugiados sírios. Então alguém menciona um “mustashfa”, um “hospital”, e começo a entender o vocabulário em torno do campo semântico. “Marid” (doente), por exemplo. “Amaliat” (cirurgia), também.
Escrevo em meu caderninho as palavras que entendo, na esperança de conseguir entender o contexto. “Todos os países árabes”… “Dinheiro”… “Basicamente”… “Ocupação”… “Relação”… Então uma das minhas expressões favoritas em árabe –“bi al-aks”, “pelo contrário”.
Todos eles vestem pólos. O homem ao meu lado tem rasgos na roupa. À minha frente, um senhor não tem metade do braço direito (ele me oferece café, e faz alguém segurar o bule). Dois deles usam óculos. “É obrigatório que”… “Também”… “Governo”… “Eles podem”… “Quer dizer”… Então mais algumas frases completas, e estou de volta à conversa –estão falando sobre a situação dos refugiados na Jordânia.
Não parecem especialmente preocupados, porque pensam que são os sírios em melhor condição, agora. “Eles de fato tem trabalho, hoje”, diz alguém.
O clima da conversa muda a todo o tempo. Às vezes riem. Um homem na minha frente parece chorar, em um momento. Meia hora se passa, e desisto. Tenho outro compromisso. Me levanto, agradeço. Trocamos desejos de boa sorte, e parto.
A região do Golã me faz pensar na Síria e em como me parece ser consenso que a população por lá é das mais hospitaleiras da região. Quando estive em Damasco, em 2010, fiquei emocionado com a recepção. Em Palmyra, no deserto, almocei com beduínos em uma tenda.
Tomei chá com desconhecidos e, quando não entendia o valor da comida, entregava minha carteira para o garçom contar o dinheiro –em confiança plena.
Mas o mundo mudou, desde então. Enquanto comia cerejas no jardim de um entrevistado, olhava as montanhas a poucas centenas de metros de mim e pensava nisso –o mundo mudou. O que existe, hoje, do outro lado? Como vai ficar, quando o conflito se resolver, e quando?
Se eu perguntar a um árabe, por aqui, provavelmente vou escutar –الله اعلم. “Só Allah sabe.”
Ouvindo (lendo…) essas histórias sinto que esse lado aí do mundo, apesar de ter “beduínos em uma tenda”, soa bem mais civilizado que o Brasil que ainda parece um país tribal, mesmo com arranha-céus.
Diogo, Os Drusos do Golan sempre se identificaram com a Síria…No entanto gostaria de saber se com a crise muitos estão buscando a nacionalidade Israelense?
Ricardo, me parece que sim. Mas ainda em pequenos números. A maior parte não tem passaporte –apenas “permissão” para viver ali.
Ricardo e Diogo,nao e bem assim.Os Drusos
sao uma historia a parte em Israel.Ha aqueles que se adaptaram bem em Israel,
pois sao de origem Arabe (muculmanos e
cristaos),sendo que alguns fazem parte do exercito.E ha aqueles que vivem no Norte de Israel,no Golan,e que jogaram pedras nos soldados Israelenses nos ultimos episodios na fronteira com a Siria.
Eles tem sim,e muitos,a nacionalidade
Israelense.Os Drusos em geral estao bem
assimilados em Israel.
Fábio, perdão, mas eles não são muçulmanos (é um outro grupo religioso, separado do islamismo no século 11). Além disso, os moradores de Majdal Shams não têm cidadania israelense –já que vivem em território considerado ocupado, pela legislação internacional. Abraço!
Diogo,muitos tem sim a cidadania,inclusive
alguns destes sao milionarios e donos de
terras tambem.Fora isso,eles se consideram
muculmanos,esta e outra historia.
São menos de 10%, Fábio. http://www.nytimes.com/2011/05/22/world/middleeast/22golan.html?_r=2&
Diogo,nao ha drusos so no Golan.Ha em
Israel inteiro,como ja te disse eles tem negocios na Agricultura,terras,e outros
tambem,e MUITOS tem a cidadania e podem
usar o sistema de saude,etc…..Em Haifa,por
exemplo ha drusos tambem.E ha muitos no
exercito pois sao otimos como “”farejadores”
no deserto e suportam o calor com facilidade.
Fábio, agradeço a observação. Mas estou me referindo aos drusos de Golã, onde estive. Abraço.
Diogo, muito interessante e envolvente toda sua narrativa entre esses drusos do Golan, de como eles se vêem, a que grupo ou país entendem pertencer, etc. Detalhes desse naipe têm o poder de agregar um conhecimento imenso e otimizar o entendimento quando da leitura de outras manchetes. Guardando as devidas diferenças circunstanciais, me fez lembrar de trechos do “Meu Inimigo Sou Eu” de Yoram Binur. Igualmente, ótima narrativa. Grande abraço.