Boston, Tchetchênia e um lugar chamado ideologia

Diogo Bercito
Editoria de Arte/Folhapress

Eu estava na casa de um colega jornalista, em Jerusalém, quando a televisão noticiou o atentado a bomba em Boston. Nos reunimos ao redor da tela enquanto levantávamos nossas próprias teorias a respeito do ataque. Até então, não se sabia quase nada sobre o incidente. Queríamos entender, em especial: por quê?

Saímos para jantar. Nas ruas, jovens israelenses celebravam o dia da independência do país. Mas nós estávamos vidrados em nossos smartphones. Como os demais jornalistas por aqui, passamos os dias seguintes deslizando o dedão na tela para atualizar o feed de notícias do Twitter.

Por enquanto, dois irmãos de origem tchetchena são suspeitos pelo ataque que matou três e deixou mais de 170 feridos em uma maratona nos EUA. Na tentativa de capturá-los, um dos rapazes morreu e o outro está ferido. Mas, por mais que as investigações tenham avançado, a pergunta que nós nos fizemos diante da TV continua valendo: por quê?

É muito cedo para teorias. Mas as autoridades de contraterrorismo agora olham para a região do Cáucaso e tentam estabelecer qual é a relação, se houver alguma, entre a origem dos irmãos e a decisão de detonar bombas em Boston.

Não para dizer que o lugar de origem justifica ou condiciona um ataque –mas para tentar entender, ao menos, a que ideologia os terroristas estiveram expostos antes de imigrar para os Estados Unidos.

Ao que parece, um dos irmãos esteve recentemente nas regiões do Daguestão e da Tchetchênia, e é esse fio que a investigação irá seguir nos próximos dias. Em ambos os lugares há hoje um violento movimento separatista que levou a guerras e a um histórico de terrorismo, a partir dos anos 1990.

Daguestão, Tchetchênia, Cáucaso e Rússia são nomes de que vamos ouvir falar, nos próximos dias. Mas também haverá quem mencione o nome de um outro lugar, imaterial: o wahabismo.

Essa vertente radical do islã, surgida na península Arábica, é uma das bases da construção do reino da Arábia Saudita. É um dos pilares da interpretação rígida da sharia, a lei islâmica, razão pela qual mulheres são impedidas de dirigir ou sair do país sem a autorização de um “guardião” masculino.

O wahabimo leva o nome de seu criador, Muhammad ibn abd al Wahab, um teólogo do século 18 que contestava as inovações do islã como sendo deturpações religiosas. Esse movimento salafista ganhou força na península com a aliança entre Abd al Wahab e Muhammad ibn Saud –da família que mais tarde construiria a Arábia Saudita (daí o nome). Até hoje, o reino saudita investe milhões de dólares na propagação dessa ideologia.

O wahabismo, como expoente fundamentalista, mira em um passado distante como maneira de solucionar as crises contemporâneas. Dessa maneira, olha para os primórdios do islamismo e salta, assim, os séculos de discussões teológicas. O que significa, entre outras coisas, que o muçulmano wahabi não necessariamente adere à tradição do “fiqh”, a jurisprudência islâmica.

Insisto que tudo, por enquanto, são suposições. É bom deixar claro, também, que wahabismo não significa terrorismo, e de maneira alguma este blog faz qualquer julgamento teológico ou ideológico sobre o islã.

De qualquer modo, a quem estiver interessado, as ideologias islâmicas são fontes ricas para o debate e para o melhor entendimento da região. Nunca será demais estudá-las a fundo. E o contexto histórico, ao que parece, está nos sugerindo que estejamos atentos ao wahabismo ao menos pelos próximos dias.

Procurando mais informações, me deparei com uma conta falsa no Twitter, em que o usuário escreve sarcasticamente sobre fundamentalismo islâmico. Abaixo, um tuíte.

Comentários

  1. Muito bom artigo, Diogo. Comecei a entender as possíveis influências religiosas na formação dos irmãos tchetchenos. Por favor, continue explicando. Um abraço. Lúcia.

  2. DEPOIS DESTE ARTIGO ESCLARECEDOR SOBRE OS TCHETCHENOS E AS CORRENTES RELIGIOSAS ISLÂMICAS, DÁ PARA ENTENDER AS DISSENSÕES NO MEIO DESSE POVO TÃO BOM: O QUE OS ESTRAGA É O MALDITO RADICALISMO QUE HÁ ENTRE OS PRATICANTES DE CORRENTES RELIGIOSAS DIFERENTES!

  3. Primeiramente, agradeço a Diogo pelo belo texto. Os irmãos Tsarnaev vieram de uma cultura estranha à cultura americana e é possível que estivessem passando por grandes dificuldades na adapatação de suas vidas a ideologias e valores novos. Apenas isso. Faz lemrar o filme “O Homem que virou suco” de João Batista de Andrade. Mas, com certeza, é possível sim que a influência do Wahabismo, uma opção presente a islâmicos sunitas do mundo inteiro, tenha tido influência no comportamento de ambos, principalmente depois da visita do mais velho ao Daguestão onde, certamente, não visitou apenas parentes.

  4. Acredito que devessemos de perguntar porque os USA particípava da guerra da Chechenia oferecendo asilo aos militantes? Os esilados após o deslumbramento do primeiro mundo deixaram aflorar outros instintos!!!

  5. Parabéns pela pesquisa, concepção e infográfico do texto.
    Pena que poucos teçam comentários sobre a motivação religiosa que está por trás do terrrorismo que assola qualquer parte do nosso mundo.
    Dessa vez muitos não estão glorificando esse ato covarde perpetuado na maratona de Boston.Nem chamando de militantes estes rapazes terroristas que retribuiram com morte e mutilações ao país que os acolheu, e, lhes deu condições de serem cidadãos ao invés de prováveis mediocrizados em seu país de origem

    1. Fugindo um pouco do assunto, e aproveitando para cutucar a onça com vara curta, Luiz, eu conheço gente que glorifica o atentado ao Hotel King David em Jerusalém em 1946, e chama os perpetradores, a “gangue Stern” ou “Irgun”, de militantes ao invés de terroristas… Será que temos aí um caso clássico de dois pesos e duas medidas?

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