Feminismo desvelado

Diogo Bercito
Amina Tyler; “Meu corpo é minha propriedade. Não é honra de ninguém”
“Nudez não me liberta e eu não preciso ser salva”, diz garota do #muslimahpride

Já vi,  pelos posts anteriores, que vocês gostam de debater. Ótimo. Sou a favor de toda discussão, se mantivermos o bom tom. Então vou aproveitar minha reportagem publicada hoje, na Folha, para perguntar a vocês –qual é o feminismo adequado ao Oriente Médio?

Pergunto isso porque esse tema, recorrente, voltou à esfera pública nestas últimas semanas. Em primeiro lugar, quando Amina Tyler se fotografou de seios de fora, na Tunísia, e foi ameaçada de morte. Depois, quando o grupo ucraniano clamou que mulheres protestassem em apoio a Tyler em um dia de “jihad topless”. Por fim, quando um grupo de estudantes islâmicas em Birmingham (Reino Unido) foi à rede para dizer –“minha dignidade está no meu véu”.

Tirar o véu, tirar a blusa? Para as garotas com quem conversei, por Skype, isso é uma imposição cultural do Ocidente, e quiçá uma maneira de soft power. Foi usada, me disseram, para justificar a guerra no Afeganistão (quando Laura Bush foi a público para criticar a situação da mulher nesse país asiático).

Por outro lado, há de se convir que os direitos femininos em muitos dos países dessa região são por algum ponto de vista problemático. No Egito, a maioria ainda passa por circuncisão feminina, tendo o clitóris cortado. O véu é imposto em alguns países. Em outros, é de bom tom cobrir tudo. Na Arábia Saudita, a mulher precisa da autorização de um “guardião”, ou seja, um homem, para desde andar de bicicleta a viajar para fora do país.

A questão, dizem as garotas do #muslimahpride (orgulho da muçulmana), é que elas têm sua própria voz e não querem ser representadas.  “Eu não acho que o Femen seja diferente do Taleban”, me afirmou uma delas. “Ambos estão dizendo às mulheres como devem se comportar.”

A história me lembra as discussões sobre feminismo que tive no Marrocos, enquanto estudava árabe em Rabat. Um dos textos que lemos em classe falava da feminista egípcia Huda Shaarawi (1879-1922). Me recordei dela justamente pela particularidade da luta que ela levou a cabo, enquanto rompia as normas sociais em seu país.

Shaarawi tinha um quê de “#muslimahpride”, com o perdão da comparação talvez absurdo. O verbo em árabe que ela usava em relação ao véu, “rafaa”, não significa “retirar”. “Rafaa” é “levantar” –ou seja, descobrir o rosto, mas manter o cabelo às escondidas.

Comentários

  1. Esse tema nunca será adequadamente discutido no Ocidente, pela forma que é apresentado. Porque nessa discussão, haverá sempre um interesse camuflado de imposição, ou um olhar de ‘violência simbólica’ de uma cultura sobre a outra cultura, ou seja, da cultura dominante. Portanto, toda vez que é discutido o assunto entre os ocidentais,será sempre em termos comparatistas. Por que então não fazemos uma inversão de perspectiva? Não seria mais adequado analisar como e em que grau de internalização e de estabilidade esses elementos do “processo civilizador” do Oriente se encontram hoje solidificados em suas sociedades, ao invés de tentar forçosamente mudá-los a partir de fora? Esta abordagem, a meu ver, não só é mais democrática, mas também menos relativista.

  2. Diogo, Não vejo problema algum no uso do véu… No entanto o que causa repulsa é a sensação do uso compulsório! Para algumas mulheres muçulmanas o véu é uma decisão pessoal e para outras a escolha é quase nenhuma! Também não podemos esquecer que a apenas 50/60 anos atrás o uso de calça comprida contava com certo tabu entre católicas praticantes.

  3. Ué, mas os seios de fora é uma forma de protesto, uma maneira de chamar a atenção para o problema que é a falta de liberdade das mulheres sobre o próprio corpo e vida. Ninguém está colocando os seios de fora porque querem ter o direito de mostrar os seios nas ruas ou andar sem camisa!
    Hoje em dia as pessoas não conseguem ver nada nas entrelinhas, tudo tem que estar na superfície para ser compreendido. Estamos realmente em uma era super vulgar e superficial.

  4. “Isso é uma imposição cultural do Ocidente”

    Poder de escolha sem imposição, seja culturalmente e/ou politicamente deve ser sempre uma prerrogativa de todo ser humano respeitando onde termina o seu direito e começa o do outro.Mas o fato é que a subjugação tanto internamente aos países quanto de povos tem sido uma característica da natureza humana.As guerras estão aí pra provar.

  5. Fácil ser #muslimahpride na Inglaterra, país secular, onde os direitos de todos são respeitados. Quero ver #muslimahpride na Arábia Saudita, no Irã, no Afeganistão…

  6. “””No Egito, a maioria ainda passa por circuncisão feminina, tendo o clitóris cortado.”””

    O eufemismo é próprio da cultura ocidental moderna. É uma novilíngua extremamente nociva. Ao contrário dos islâmicos, que fazem uso da hudna e da taqiyah.

    Extirpar o clitóris das meninas não é circuncisão. É algo próximo da castração, já que praticamente lhes tolhe a possibilidade do prazer sexual.

    http://www.priberam.pt/dlpo/Default.aspx?pal=circuncis%C3%A3o

    circuncisão
    (latim circumcisio, -onis)

    s. f.

    1. [Medicina] Operação que consiste na excisão do prepúcio ou de parte dele. = POSTECTOMIA

    2. [Religião] Cerimónia religiosa, judaica ou muçulmana, em que é feita a excisão do prepúcio.

  7. Oi Diogo,

    Sei que o post nao e o centro do assunto, mas li que esteve em Marrocos para aprender árabe. Eu me formei em arabe em 2011 no Rio de Janeiro e gostaria muito de ir a um país pra fazer algum curso intensivo de férias. Qual e onde me recomendaria? Tenho planejado em ir ao Marrocos em janeiro do ano que vem.

    Seu blog é muito interessante! É prazerosamente lê-lo.

    Abraços

    1. Caro Roberto, pense no Qalam wa Lawh. Foi onde aprendi a conversar com mais liberdade, depois de já ter a base gramatical via universidade. Eles têm programas de bolsa para alunos de nível intermediário. Um abraço, Diogo

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