Os animaizinhos e os milagres de Gaza
Voltei a respirar cheiro de cadáveres neste sábado (26), conforme visitava as regiões de violento embate na faixa de Gaza, durante uma trégua humanitária –clique aqui para ler a reportagem no site da Folha. Foi como estar de volta, por algumas horas, ao Cairo e às mesquitas apinhadas de corpos que conheci em meados de 2013.
Mas ninguém está surpreso com o que viu em Shujaya, ao leste, ou em Beit Hanun, ao norte. Também o que testemunhamos ao sul, em Khan Yunis, não é inesperado. São os resultados de quase três semanas de intenso bombardeio israelense, durante a operação militar Margem Protetora contra a facção militante palestina Hamas. As regiões, em parte abandonadas após um alerta do Exército, são hoje ruas flanqueadas pelos destroços do que eram suas casas.
A surpresa, ali, é a constatação de que a vida às vezes vence. Meu motorista, Mahmud, encontrou nos escombros de Shujaya um passarinho amarelo, que levamos conosco até Khan Yunis. A ave viajou no ombro de Mahmud, dengosa, às vezes apoiando sua cabeça para dormir no pescoço dele. A essa hora, ela deve estar em um poleiro.
A ave, assim como uma ovelha que encontramos ali, sobreviveu a dias de ininterrupto bombardeio. Casas se tornaram crateras, torres de eletricidade se curvaram, queimadas, mas o passarinho e a ovelha de alguma maneira seguiram adiante. Assim como um filhote de gato que encontrei no centenar caravanserai de Khan Yunis, brincando com um saco de lixo.
Esse não é um relato político ou moral. É, na verdade, um intervalo para tentar encontrar sentido entre a destruição.