Como quase fui até o Omã sem perceber

Diogo Bercito

Estou na Jordânia para uma breve passagem. Nos 45 minutos que separam Tel Aviv de Amã, vi a paisagem mudar bruscamente do verde pálido ao amarelo poeirento –quando o avião desceu ontem à noite no aeroporto do reino hashemita, reencontrei as montanhas que há cinco anos haviam me hipnotizado.

O objetivo da viagem era conseguir, o mais rápido possível, o visto que eu vinha negociando há meses com a embaixada de outro país árabe. Depois das confirmações, das cartas, dos trâmites; tudo pronto, vim para cá. Entre cafés com os funcionários diplomáticos, finalmente entendi o tempo extra de espera e todos os telefonemas dos últimos dias.

O documento autorizando o meu visto estava em outra cidade.

O árabe, como alguns de vocês devem saber, tem seu próprio sistema de escrita. É controverso, mas há quem diga que não é um “alfabeto” propriamente dito, já que não registra todos os sons (assunto para outro relato). O termo mais adequado é “abjad”, uma espécie de “alfabeto consonantal”, como o hebraico.

Isso pode parecer irrelevante, mas é a razão pela qual quase perdi a viagem. Porque a capital da Jordânia, Amã, se escreve assim em árabe: عمان

Um país um pouco mais ao sul, envolto em incenso e mirra, também se escreve assim. عمان. Omã. Minha carta de autorização estava lá, enquanto os funcionários da embaixada se perguntavam o porquê de tanta demora para emitir o visto por aqui.

É curioso que a confusão tenha sido feita. Esse é o único caso que conheço em que é necessário usar sinais especiais de marcação para diferenciar duas vogais. Me lembro de um dia ler a “National Geographic” em árabe e perceber que a única palavra com uma cobrinha em cima, indicando a vogal “u”, era Omã (‘Uman, em árabe). عُمان‎. Nunca me esqueci.

Curioso também porque, em geral, os árabes são cuidadosos com a língua. Dificilmente se esqueceriam de um detalhe tão importante. O árabe é, afinal, a língua em que Deus decidiu revelar o Alcorão a Maomé, de acordo com o sistema de crenças do islamismo –e, dessa maneira, é uma das facetas divinas, assim como o livro.

A própria ideia de criar sinais para indicar as vogais em um texto surge daí, da necessidade de escrever um livro sagrado sem a possibilidade de dupla interpretação para uma palavra.  Se Maomé foi ao Omã, ele foi ao Omã –e não a Amã. O hebraico e o siríaco seguiram o mesmo caminho, durante o primeiro milênio da era cristã.

Mas, na prática, essas marcações só são utilizadas nessas línguas enquanto um aluno está aprendendo a escrever –ou para evitar que alguém vá parar, por engano, no Omã.

Comentários

  1. Ehehehe…Divertidissimo o seu texto e dá bem uma noção das esquisitices do árabe e do hebraico. Além disso, da mesma forma nos alfabetos, a representação gráfica dos caracteres as “fontes” (typefaces) podem e variam muito, levando à loucura e causando confusões entre aqueles que não são totalmente fluentes. Eu costumava lecionar hebraico para imigrantes num Ulpan há anos, e sempre fazia um chiste que deixam os americanos completamente sem chão, e vai assim: “Please, keep in mind thatIn hebrew, who is he, and he is she….”

  2. Boa Mordechai, hehehe, a piada pode continuar, dizendo que “me is who, and at is you, if you are he… or she?!” … מבין?

  3. Prezado Diogo

    Descobri sua coluna hoje e com que prazer li todas de 2013.

    Que quantidade de informações para minha ignorancia sobre uma região e sua história em que sempre fui interessado.

    Pena que poucos comentários ajudem no entendimento da geografia, história e políca pois repetem indefinidamente o conflito religioso, com ideias antiquadas e repetitivas.

    Que inveja de sua escolha de vida.

    Vou compartlhar com voce meu pensamento.

    Sou cristão não praticante, 57 anos, amo aprender, sempre tive curiosidade sobre esta região e tenho mais simpatia pela sociedade israelita apesar desta estar diminuindo.

    Acho que as idéias e ações da sociedade muculmana são antiquadas e não adequadas ao mundo sem fronteiras e de liberdade de conhecimento e informação de hoje.

    Não há nada para adimirar numa sociedade que censura às mulheres, com governos laicos, onde impera fundamentalismo e o extremismos, onde ainda se aplicam penas de apedrejamento, corte de mãos e se prega a conversão obrigatória de outras religiões.

    Estas teorias me remetem ao cristianismo da idade média, que acredito provocou um atraso de 1.000 anos na evolução da sociedade ocidental.´

    O estado judeu repete hoje a sua própria história recente e como farsa. Guetos, estrelas amarelas, muros, por isto a diminuição da minha simpatia.

    Infelizmente só acho que veremos paz e dignidade naquela regiao quando acontecer o que alguem diz em um dos comentarios “os ismo vão passar”

    Continue, por favor, com seu esforço e inovação.

    1. Bassi, acho que voce esta equivocado a respeito de “o estado judeu repete hoje a sua própria história recente”, guetos e estrelas amarelas. Sobre muros ate poderiamos argumentar.

  4. Prezado Bassi, “O estado judeu repete hoje a sua própria história recente e como farsa. Guetos, estrelas amarelas, muros, por isto a diminuição da minha simpatia”.

    Apesar da honestidade de saber-se ignorante em relação ao O.M. , seria interessante que afirmações desconexas e inverídicas, como as proferidas, fossem evitadas para não se cair na tentação de se repetir o que a propaganda antissemita não cansa de propagar.

    Sugiro que antes mesmo de tentar compreender o ocorre na região, estu

  5. Fico me perguntando porque será que só judeus comentam por aqui assuntos de países árabes.
    Como a abordagem aqui é sobre o idioma árabe, sou sincero em admitir que se algum dia eu ainda for aprender um 6º idioma esse seria o árabe, embora me pareça mesmo muito dificil para um ocidental. Ja visitei 4 paises árabes e curto o som do idioma embora não entenda nada.

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